O Inferno é Frio!
Lembro, de vez em quando, das aulas de português, na escola... pouca coisa, na verdade! Lembro, por exemplo, de uma aula – e várias outras sobre o mesmo tema, depois – sobre palavras cuja grafia é quase igual, apenas mudando uma letra, mas que o sentido divergia completamente. Tipo concerto e conserto – até hoje me confundo com essas duas, difícil lembrar qual significa a reparação de algum objeto estragado e qual significa uma apresentação de um artista, ou grupo, ou orquestra musical.
Tá. Esse é o exemplo que mais me confunde. Agora, há umas palavras que pra mim, numa livre associação, não têm um sentido assim tão diverso uma da outra! Não creio que só eu faça esse tipo de analogia entre as duas palavras em questão! Não sou nenhum gênio, que tenha percebido alguma semelhança entre elas, grafologicamente falando, quando ninguém mais percebeu. Aliás... é, não lembro de nenhuma professora de português falando nisso! Mas queria o quê, até hoje só tive aula com professoras de escola pública e de cursinhos particulares, tipo EJA, pré-vestibulares e concursos. Nenhuma delas tinha a obrigação de se aprofundar na disciplina que lecionavam! Talvez, se tivesse ido mais às aulas de comunicação e expressão, na faculdade de turismo – que fui estúpido o bastante pra largar no meio do segundo período, porque mamãe me convenceu que “não tinha futuro” – quem sabe encontrasse mais alguém com a mesma perspicácia. Não sei, talvez não, também! Nunca saberemos...
Bom, de qualquer forma, não acredito se algum professor me disser que há apenas alguma semelhança na grafia das palavras “inferno” e “inverno”, mas que seu significado difere totalmente uma da outra. Seria obrigado a perguntar a qualquer linguista: por quê? Que eu me lembre, a primeira é um substantivo abstrato. O inferno, assim como o paraíso, Deus, e todas palavras que têm algo a ver com a liturgia religiosa são idealizadas, não percebidas. O inverno é uma das duas – ou quatro, dependendo de região para região – estações climáticas em que se dividem os 365 dias de um ano. Você não o vê chegar, portanto também é um substantivo abstrato. Porém, bem menos abstrato que a outra palavra! Você não vê o inverno chegar, não percebe uma forma para uma estação climática, mas você SENTE o inverno chegar! Sente quando o vento fica mais frio, quando as temperaturas não sobem muito, quando fica mais alegre, mesmo num dia útil, com uma presença mais forte do sol e fica mais triste quando esse mal aparece sob as nuvens, que geralmente são mais escuras e mais densas que no verão. Você, portanto, percebe o inverno! Você SABE... o que é o inverno! E sabe o que é o inferno? Eu digo que não! Pois nem eu sei o que é o inferno! Por isso posso questionar a analogia “clássica” de que inferno tenha a ver com o calor! E não só por isso...
Quando morei em Manaus, podia sentir o desconforto com o calor, mas esse desconforto nunca, ou nunca me pareceu insuportável como o desconforto que sinto no inverno, ou em dias mais frios. O frio me incomoda muito mais que o calor. Sempre foi assim. Pode ter certeza, toda vez que o inverno vem, sinto falta de Manaus. Nesta época do ano, quando começa o inverno aqui, na região sul, mais precisamente no Rio Grande do Sul, na região norte, também mais precisamente, no Amazonas, está começando o verão! Estão terminando os dias chuvosos e úmidos, está vindo o período de estiagem, quando o céu daquele Estado fica mais limpo e o sol brilha em sua plenitude. Não, o calor em si não aumenta tanto assim, o que aumenta, com uma maior presença de sol, é o aquecimento e a sensação térmica! Aqui, obviamente, se dá o contrário. Aumentam a nebulosidade e a umidade, o sol quase não brilha plenamente, porém as temperaturas caem bastante, por conta das sucessivas frentes de ar frias e polares que vêm do extremo sul do continente americano e também da Antártida. Não temos mais, infelizmente, a proteção de uma cobertura vegetal a cercar nossas cidades, como ocorre, de certa forma, em Manaus.
Eu sei, estamos fugindo do assunto principal: por que as palavras inverno e inferno, para mim, estão relacionadas? Veja bem... quando se fala em paraíso, no que você logo pensa? Já sei! Numa montanha alta e nevada, com pinheiros recobertos de gelo, um lago completamente congelado, várias tonalidades de branco para onde quer que você olhe, nenhuma planta crescendo, nenhuma flor, nada. Nenhum pássaro cantando, nenhum animal correndo. O único som a cortar o silêncio é o do vento gelado que parece penetrar por todos seus poros como pequenas e finas agulhas. A claridade é pouca, o sol não consegue ultrapassar a pesada capa de nuvens, que parecem pairar ameaçadoramente sobre sua cabeça, prestes a desabar a qualquer momento! Nossa, que imagem linda, não? É... eu sei que não! Mas estou habituado a ver algo parecido por aqui. Graças a Deus é apenas parecido, não igual! Caso contrário, meus dois ou três leitores jamais leriam qualquer coisa escrita por mim, sequer este texto!
Então, qual a imagem que mais se assemelha com a visão pessoal que se tem do paraíso? Praias de areias brancas, mar azul e cristalino, altas e frondosas palmeiras? Talvez um lago, ou rio, de águas correndo calmamente, escuras e profundas, flores e árvores, e arbustos, e todo tipo de vegetação, pássaros cantando, sol brilhando, nenhuma nuvem no céu – ou até uma que outra... sim, eu sei, isso se assemelha mais a um paraíso! E por quê? Por que no paraíso não se consegue imaginar frio? Você consegue pensar numa praia do Nordeste – qualquer praia, até mesmo na Bahia – com chuva e frio? Nossa, divertido... não?! Pois é...
Pra mim frio infernal faz muito mais sentido que “calor infernal”, até por causa dessa semelhança na grafia com inverno. Não sei também como é o inferno, mas algo me diz que, se é um lugar tão escuro e lúgubre, o calor que também amoleceria as almas menos rebeldes, só deixaria mais nervosas as almas mais rebeldes!
O frio é bem mais desagradável. Deixa as pessoas mais apartadas umas das outras. Ninguém tem vontade de sair de casa. Calor infernal? Ah tá... só que, amigo... o inferno é frio!