Sobre “Shikasta”, a “Fraternidade Branca” e outras coisas (Parte 2)

Archidy Picado Filho

Entre outros entusiastas na crença em deuses administradores do céu e da Terra está a escritora inglesa Doris Lessing, Prêmio Nobel de Literatura de 2007, autora de livros que, utilizando o estilo da ficção científica, nos falam sobre como imaginou terem sido primeiros contatos extraterrestres com os homens (sic) nos primórdios da colonização do planeta “Shikasta” que, título do primeiro livro de sua série “Canopus em Argos” (de 1979), nenhum outro planeta é senão a velha Terra onde habitamos.

Li e reli o livro em 1982 – que me espantou ao me revelar grandes verdades das relações humanas (sic), quando pretendeu apenas ser “uma obra de ficção” – tendo eu, graças a isso, sofrido influências decisivas em minha forma de observar e avaliar a história daquilo que, hoje, considero o irrealizado divino Projeto-Humanidade.

Em sua ficção, o que a escritora Doris Lessing chama “Canopus” é o “planeta de Deus”, império interestelar que, ajudado por outras forças universais, tem como objetivo desenvolver a vida na Terra, ou melhor, em “Shikasta”, e fazer fluir a energia positiva através de todo Universo. Para prejudicar o desenvolvimento da Vida em “Shikasta”, que sofre as influências de um desalinhamento de astros, o império de Puttiora, representado pelo planeta Shammat – então habitat daquele que os cristãos conhecem por “Satanás” – canaliza energias negativas para “Shikasta”, inicialmente através da disseminação, na atmosfera do planeta, de um gás chamado “oxigênio”, a tornar seus antigos gigantes habitantes, que até então eram capazes de viver por séculos, seres física e moralmente deficientes que, na melhor das hipóteses, passarão a viver em média somente oitenta anos.

Para realizar a série, Doris Lessing se utilizou de várias fontes de pesquisas entre todos os reconhecidos “livros sagrados” do mundo, além de considerar as suposições sobre intervenções extraterrestres na formação da humanidade obtendo resultados literários considerados pelos críticos como excepcionais.

Quando inquirida sobre qual dos seus livros considerava mais importante – e ela escreveu outros considerados “mais sérios” – Doris Lessing escolheu sua série de ficção científica “Canopus em Argos” que, em seu bojo, demonstra, de muitas perspectivas diferentes, os esforços de uma sociedade avançada em forçar o passo da evolução, parcialmente baseada em conceitos do Sufismo, nos quais Lessing foi introduzida por Idries Shah, autor e mestre da tradição Sufi, que escreveu dezenas de livros sobre diversos assuntos, desde psicologia e espiritualidade a diários de viagem e estudos culturais.

Li muitos livros interessantes sobre filosofias, religiões, artes, educação, psicologia e ficções, mas tenho certa reserva em ler livros de escritores e escritoras que se dizem porta-vozes de espíritos desencarnados, cujas influências as fazem “psicografar” textos reveladores.

Como artista, sofro as influências daquilo que muitos reconhecem como inspiração, que, de fato, pode tornar nossa mente refém de suas influências imagéticas, quer nos induza a ter ideias sobre imagens musicais, plásticas ou literárias. Lembro de uma noite, por exemplo, quando ainda escrevia o livro que conta a história das relações de amizade entre a jovem Santa Joana d’Arc e uma vampira chamada “Charlet” – cujo título é “Minha querida Joana, estando seu prólogo entre os textos aqui publicados. Pois bem: perdi o sono por causa de uma inspiração repentina, que me motivou a levantar da cama de madrugada e ir para o computador a descrever uma cena entre Joana e a vampira, onde desenvolviam um diálogo que não me deixaria dormir até que o escrevesse.

O mesmo aconteceu quando escrevi outros textos de ficção, entre outros. Acontece quando penso num arranjo para uma música, quando me motivo a fazer um desenho ou dar umas pinceladas numa tela.

Entre alguns significados para a palavra “inspiração” encontrados no dicionário há um que diz ela ser uma espécie de “monção”, ou “vento”, de origem divina, que dirigiu os autores da Bíblia, por exemplo, entre outros livros “sagrados” por terem sido considerados “inspirados por Deus”.

Para o escritor e filósofo inglês Aldous Huxley (1894 – 1963), autor do maravilhoso livro “A Filosofia Perene” (para mim, mais importante que a Bíblia) – sendo seu livro mais conhecido “Admirável Mundo Novo” – “a melhor coisa que pode fazer, no campo da metafísica, quem não é sábio nem santo, é estudar as obras dos que o foram e, por haverem modificado o seu modo de ser, meramente humano, foram capazes de uma qualidade e de uma soma de conhecimentos mais do que meramente humanos”.

Como se processam na mente de seres considerados humanos pensamentos “mais do que meramente humanos” é algo que não posso entender – embora, ao mesmo tempo, depois de ter lido seu livro, não possa contestar tal qualificação de Huxley aos muitos “divinos dizeres” nele presentes.

CONTINUA