Sobre a Oficina Literária e Antônio Arcela
Este diz respeito a certas memórias de minha vida profissional em formação num determinado momento e lugar da história – e daqueles que também as fazem – mais especificamente a minhas participações entre os que faziam a Oficina Literária na Cidade de João Pessoa, então dirigida pelo professor, poeta, escritor, compositor e intérprete Antônio Arcela nos idos da década de 1980.
Não sei exatamente quando a Oficina começou a funcionar, mas sei que, quando ainda não existiam as facilidades da Informática associada à Internet (que nos possibilitaram maior agilidade na produção de nossas artes e formas mais rápidas de suas divulgações), fui agraciado com o apoio de Antônio Arcela à edição em mimeografo de um conjunto de cartoons, que produzi em 1983, intitulado LOGOS VERSUS LOGOS.
Lembro o quanto fiquei feliz quando vi os sacos de papel transformamos nas capas do conjunto, onde uma serigrafia tinha sido reproduzida a dizer de seu conteúdo: um texto de apresentação do que se propunha aquele trabalho, reconhecido de cunho metalingüístico por meu editor Antônio Arcela, e os cartoons colecionados dentro.
Fiquei feliz com o material, mesmo estando alguns com falhas na impressão, um sinal de nossa precariedade de então, diametralmente proporcional a nossa vontade de superá-las a realizar nossos sonhos de artistas, fosse como fosse. Afinal, exercitar a criatividade a buscar tais alternativas também era tarefa dos que trabalhavam na Oficina.
Felizmente, tenho ainda um exemplar da obra comigo, pedida a ser reimpressa por muitos que dela tomaram conhecimento na época, amigos jornalistas e críticos de artes paraibanos, como Sílvio Osias e Walter Galvão, obra que consideraram das mais originais no gênero já produzida.
De fato, tenho muito orgulho dela; não apenas porque fui eu quem a produziu, mas porque foi parte do montante de boas coisas produzidas pela Oficina Literária, onde também conheci o poeta/barbeiro Eulajose Dias de Araújo, a intérprete Débora Vieira e a poetisa Taciana, que escreveu uma das mais interessantes e inesquecíveis imagens poéticas que já ouvi: “Completamente farto / joguei o mundo pela janela do quarto / e apaguei a luz”.
Era o talento, a criatividade e a simplicidade, associada com certas estéticas dela derivadas, o que atraía a atenção crítica de Antônio Arcela, que vira também em mim um jovem artista paraibano de talento, digno de nota.
Dividido entre considerações espiritualistas cristãs e a admiração pelos escritores considerados “malditos”, com Arcela aprendi sobre a expressiva crueza existencial do escritor Charles Bukowski, de quem é ardoroso fã e de quem sofreu forte influência à produção de sua obra literária, teatral e musical. É verdade que pouco conheço da produção literária de Arcela, mas vi dela bastante a me dizer sobre a inteligência, o talento e a ousadia criativa dele à experimentos estéticos, como o espetáculo teatral “O império da arte explícita” (para o anúncio do qual fui produtor do cartaz, peça que assisti encenada no Teatro Lima Penante, da UFPB, com a participação da atriz Eleonora Montenegro, hoje também Professora de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba).
Como poucas peças, aquela foi uma das que me causaram aquele prazeroso estranhamento diante do novo, que também senti ao assistir a uma peça de Berthold Brecth (1898-1956) anos depois, então encenada num galpão de entulhos abandonados da UFPB.
É claro que Brecth influenciou o lado dramaturgo de Antônio Arcela, como Arrigo Barnabé influenciou seu lado musical. E percebe-se isso na audição do já considerado clássico CD “Odair Salgueiro – Poetas sem conserto: a música de Odair Salgueiro, Carlos Anísio e Antônio Arcela para a Oficina Literária”, produzido por eles, principalmente na música "As quatro estações", que teve a participação do então Coro de Câmara Villa-Lobos.
Mas a presença de Arcela no disco começa já na música de abertura do CD. "A chance da paz", composta em parceria com o intérprete Lis Albuquerque, é uma ode a esta tão desejada condição mundial à plenitude do exercício de nossa humanidade. Com o maestro Carlos Anísio, ele também divide a criação de "Dom Quixote", que nos reporta as aventuras do desvairado fictício cavaleiro a nos lembrar sobre a necessidade e importância dos sonhos a uma saudável manutenção dos sentidos que atribuímos as nossas vidas e a Vida de tudo.
A partir de um poema de Silvino Olavo, autor de "Meu palhaço", motivado por outras influências, Arcela recita: “Meu coração é um mísero acrobata / Palhaço sarcástico de arena / Gargalha sempre de feição serena / Contrafazendo a mágoa que o maltrata. / Enquanto em riso a multidão desata / As piruetas deste clown em cena / Ninguém descobre na aparência amena / A tragédia recôndita que o mata. / Mas eu me vingo deste pouco siso / Ao paradoxo do meu próprio riso. / Porque a tragédia desse riso insano / Que me remorde e que ninguém ausculta / É a irmã gêmea da tragédia oculta / Que existe em todo coração humano”.
Assim, nossos parabéns a ele e a todos os que participaram direta e indiretamente das ousadias criativas promovidas pelos incansáveis trabalhadores da Oficina Literária.