A Consciencia e o Sentir

A Consciência e o Sentir

Joao Carlos Holland de Barcellos

Do livro "Genismo", por Jocax

Se formos pesquisar os motivos por trás de todos os anseios, de todos os desejos, de todas as vontades, das ideologias e mesmo das religiões, chegaremos a uma conclusão: tudo, absolutamente tudo, está relacionado ao ‘sentir’. Não existem atitudes, éticas ou regras morais que não se correlacionem, de um modo ou de outro, ao ‘sentir’. Seja o sentir presente, seja o sentir futuro, para nós mesmos ou não, aqui na Terra ou no “além”. Buscam-se o prazer e a fuga do sofrimento, nosso ou de outros, neste planeta ou não, nesta “dimensão” ou não. Até mesmo a felicidade, a “deusa adorada”, nada mais é, como veremos posteriormente, do que o ‘sentir’ ponderado pela sua duração no tempo. A busca pelo conhecimento, a aprendizagem: são também formas de diminuir o sofrimento e tentar garantir a felicidade. Assim, podemos constatar que tudo que provem da consciência, do arbítrio, gira em torno do sentir. Por esta razão eu o elegi “A questão mais importante do universo”:

“O que é o Sentir?”

Primeiramente, deveremos constatar que o “sentir” não se restringe aos seres humanos, e nem mesmo a organismos “vivos”. A questão do sentir vai mesmo além do conceito do que seja “vida”. Para entendermos isso, façamos um experimento mental: suponhamos que se coloquem, num hipotético computador hiper-poderoso, as leis físicas de um universo -como o nosso, por exemplo- com suas entidades básicas, as suas partículas elementares, e também um dado estado inicial para cada uma das partículas. Com este modelo, este hiper-computador poderia, a partir deste estado inicial, simular o desenvolvimento futuro do universo, como o “Big-Bang”, a formação de estrelas, de planetas, e eventualmente, o surgimento da vida que, eventualmente, poderia evoluir para a vida inteligente. Note que este universo é virtual, um modelo matemático submetido a uma simulação computacional. Neste nosso modelo não existe, na realidade, um único neurônio real, nem mesmo uma única molécula orgânica ou mesmo de água. Tudo, neste universo, acontece na memória e no(s) processador(es) deste computador hipotético de silício e metal. Entretanto, os sentimentos que surgirem dentro deste universo virtual, com seus seres virtuais, serão, de fato, reais. E, na verdade, nem mesmo podemos provar que nosso próprio universo não seja também um universo virtual que esteja sendo simulado em algum “meta-universo”! [3] Mas, mesmo assim, as sensações e sentimentos existem (“Sinto, logo existo.”).

O conceito do sentir também é extremamente importante, como veremos posteriormente, para a definição de uma ética universal, baseada na fórmula jocaxiana de felicidade [1], bem como no desenvolvimento do projeto Felicitax [2].

Primeira abordagem

Muitos tentam abordar a questão do sentir apelando para o dualismo. Descartes foi o filósofo mais importante que defendeu esta abordagem, por isso o dualismo é também conhecido como “dualismo descartiano”. O dualismo é um conceito que afirma existirem entidades em nosso universo que não são regidas por leis físicas. Nossa mente e nossa consciência, segundo o dualismo, não seriam regidas por entidades materiais, e sim por entidades ditas 'imateriais', que seriam “definidas” por alguns conceitos religiosos obscuros como almas e/ou espíritos.

Além disso, assevera-se que tais entidades poderiam sobreviver à morte do corpo físico. Estas entidades, segundo estas crenças, seriam as verdadeiras portadoras de nossa consciência. Tais ‘explicações’ dualistas, além de serem desprovidas de quaisquer evidências científicas, introduzem mais problemas a serem decifrados do que soluções, já que todo um universo de questões sobre estas entidades também precisaria ser respondido, como, por exemplo: “De onde ou como surgiram estas entidades imateriais?”; “Como elas interagem com o mundo físico?“

Entretanto, como nunca se mostrou nenhuma evidência da real existência de tais entidades, e por se mostrarem desnecessárias, elas contrariam a “Navalha de Ocam”. Devemos, portanto, descartá-las em favor de hipóteses mais simples e não dualistas. É aqui que entra o monismo: até que se prove o contrário, tudo deve ser explicado por entidades físicas como partículas, energia, espaço etc. Você leitor, se quiser tentar sentir a dificuldade do problema, poderá tentar por si mesmo, antes de continuar a leitura, definir o que seria o “sentir” para você, e verificar se sua definição é compatível com o que normalmente temos em mente, e também com o exposto acima. Lembre-se que a definição do sentir, como vimos, não pode se restringir a seres vivos, e, por isso, o problema torna-se ainda mais difícil.

Minha primeira e fracassada investida para tentar atacar o “problema do sentir” foi através de uma abordagem funcional: se algo age, ou reage, como se sentisse, poderíamos dizer que este algo sentiria. Entretanto, dentro desta abordagem, deveríamos concluir que uma simples mola de aço também sentiria, já que uma mola reage como se “quisesse” voltar à sua posição original, como se não “gostasse” de ser comprimida. A importância de se achar uma boa definição para o sentir é possibilitar uma quantificação matemática dos sentimentos – a base para uma ética universal. Nesta primeira abordagem funcional, se uma simples mola pudesse sentir, então a soma de um número enorme de outras molas poderiam sentir muito mais do que uma única, e poderiam até mesmo suplantar o sentir de um ser humano! E isso poderia levar a uma ética, ou justiça, na qual a somatória do sentir de um conjunto de molas fosse mais importante que a vida de um ser humano! Isso não me parecia algo muito natural e abandonei definitivamente esta abordagem quando, ao longo de uma discussão sobre o assunto, num fórum de filosofia [3], foi ficando claro para mim que a consciência deveria estar intimamente relacionada ao sentir. Sem a consciência, não poderia haver o sentir. O sentir deveria ser produto da percepção consciente.

A Consciência

Uma das razões mais importantes para que o sentir estivesse definitivamente atrelado à consciência é que se houvesse várias sensações diferentes, em processos mentais distintos, haveria necessidade de algo que, de algum modo, percebesse-as como sentimentos distintos. Este algo seria a consciência.

E agora nós estamos em frente de um dos mais antigos e grandes problemas filosóficos existentes: a natureza da consciência. E percebemos que “o problema mais importante do universo” – O Sentir - também depende da solução do que seja a consciência. Entretanto, a constatação de que o sentir e a consciência estejam, de alguma forma, correlacionados, não deixa de ser também um grande avanço. Mas, que forma de relacionamento deveria ser este?

A consciência é, em sua forma mais conhecida -a “auto consciência”- uma entidade, ou processo, que percebe a própria existência; que se relaciona ao livre-arbítrio ou à capacidade de escolha. No nosso caso, isso não é necessário, a percepção da própria existência, ou a capacidade de escolha, não são características necessárias para que exista o sentir. Um ser poderia sentir mesmo sem possuir a “auto consciência”. Entretanto, a própria percepção da existência, a percepção em si, é também uma forma de sentir. Podemos assim constatar que a consciência, em sua forma mínima, a mais simples, deve ser apenas um processo de captação de sinais que geram sentimentos ou sensações.

Uma solução

Refletindo sobre o problema do sentir, e sua relação com a consciência, percebi que já tinha tocado, sem perceber, na solução do problema quando desenvolvi uma maneira de quantificar a felicidade num sistema bem particular: O Cérebro[1]. Naquele texto, chegamos ao âmago da consciência quando notamos que o cérebro precisava relacionar várias percepções de diversos órgãos dos sentidos, ou de diversos subsistemas neurais (geradores de sinais), para arbitrar uma escolha ou desenvolver uma ação. A solução já estava lá, mas ainda não de forma generalizada. Cheguei então a uma primeira definição (ou descoberta?) do que seria o sentir e sua relação com a consciência:

“A Consciência é um (sub)sistema que recebe dois ou mais INPUTS (entradas) de estímulos ou sinais (externos e/ou internos) e os AVALIA, segundo uma META (objetivo), antes de responder a eles (executar uma reação, caso necessário)”.

“O Sentir é o resultado da avaliação, pela consciência, de um dado estímulo ou sinal“.

Destas definições, podemos concluir:

1- O Sentir não existe sem a consciência. Nem a consciência sem o sentir: um depende do outro, uma vez que a ‘avaliação’ dos sinais de entrada é o que significa sentir, e a consciência, segundo este modelo, não existe sem esta avaliação.

2-A consciência precisa receber entradas (sinais) para avaliá-los e provocar o sentir. É, portanto, um processo dinâmico.

3-A consciência precisa postergar (atrasar) a reação aos estímulos/sinais (para poder avaliá-lo) antes de, caso necessário, tomá-la.

4-A consciência, para existir, precisa, em nosso modelo, ter um objetivo intrínseco, como a felicidade, a sobrevivência ou a gene-perpetuação etc.

5-O resultado da avaliação pode gerar uma ação/resposta (que, por sua vez, pode gerar um novo estímulo interno) visando à meta interna.

6-A meta intrínseca da consciência, no caso de seres biológicos, evoluídos darwinianamente por seleção natural, é a meta biológica (gene-perpetuação). Entretanto, no caso humano, a meta cultural pode sobrepujar, em alguns casos, a meta biológica e gerar conflitos, caso essas apontem em direções diferentes.

7-A avaliação pode ser feita pela própria consciência, através da quantificação do estímulo/sinal para um "denominador" comum, de modo a possibilitar a comparação de estímulos diferentes em relação à meta.

8-Uma possível quantificação do grau/complexidade da consciência seria através da quantidade de sinais/entradas que podem ser por ela processados por unidade de tempo, e também da complexidade de avaliá-los em relação à meta.

9-O Sofrimento acontece quando um estímulo ou sinal é avaliado como contrário à META do organismo.

10-O Prazer acontece quando o estímulo ou sinal é avaliado como favorável à META.

11- Uma possível quantificação do Sentir seria através da medida do "denominador", avaliado pela consciência, do sinal de entrada (input) em relação à META e à complexidade da própria consciência.

12-A quantificação do sinal de entrada, via algum "denominador" comum, é, portanto, função de quão importante é o estímulo (de quanto o sinal de entrada 'pesa') para a obtenção da META/Objetivo.

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É importante observarmos, em nosso modelo de consciência acima exposto, que este não depende de aspectos físicos da maneira como o sistema que avalia os sinais está montado. Tanto pode ser um sistema biológico, baseado em água e carbono, como conhecemos na Terra, como também pode ser um sistema totalmente artificial, como, por exemplo, um computador, ou então uma forma de vida desconhecida, baseada em compostos químicos para nós totalmente estranhos. A vantagem de darmos uma definição sistêmica, envolvendo apenas processos e sinais, é que ele é muito mais geral e pode ser aplicado também em sistemas virtuais com que a realidade física não existe e é, por exemplo, apenas uma simulação. Note que mesmo neste último caso, embora os seres possam ser virtuais, sem uma existência ‘física’, a consciência e os sentimentos, entretanto, seriam tão reais quanto os existentes em nossa realidade.

É interessante também notar, em nossa definição, que um único neurônio satisfaz as condições de consciência/sentir (não auto-consciência), já que ele recebe sinais (por seus dentritos) e analisa-os internamente antes de disparar (ou não) um sinal de resposta (por seu axônio). Assim, podemos dizer que um único neurônio é dotado de uma “micro-consciência”. Contudo, não podemos nos apressar e afirmar que nosso sentir, produzido por um conjunto de cerca de 100 bilhões de neurônios que formam o cérebro, seja a soma aritmética do sentir de cada neurônio unitário. Isso porque um subsistema neural pode possuir ele próprio uma capacidade de sentir além daquela produzida pela soma de seus componentes. Considere, por exemplo, uma ‘caixa preta‘ que recebe 20 sinais de entrada por segundo, analisa-os, e responde a eles, na mesma freqüência, através de 10 sinais de saída. Esta ‘caixa preta’ teria por si mesma uma determinada capacidade de sentir de, digamos, ‘X’ unidades (Jx/s). Entretanto, ela poderia ser formada, internamente, por outras minúsculas ‘caixinhas pretas’ (que fariam o papel dos neurônios) que também teriam sua própria micro-consciência. Neste caso, a capacidade de sentir total desta ‘Caixa preta’ seria maior que ‘X’, pois teríamos de considerar (somar) também o sentir de cada um de seus componentes internos que satisfizessem a definição de sentir.

Jocax
Enviado por Jocax em 09/05/2010
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