FUNÇÕES SOCIAIS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Em tempos antigos se dizia: “cuidado com o homem de um livro só”. Hoje podemos dizer: “cuidado com o homem de um canal de TV só, de uma rádio só, de um jornal só, de uma revista só”. Por que este cuidado? Porque, quem lê apenas livros de um autor, ou de uma linha ideológica, provavelmente assimilará a ideologia deste autor ou desta filosofia. Quem apenas lesse livros nazistas, provavelmente se tornaria nazista. Da mesma forma, quem se contentasse com as informações e programas de apenas um canal de televisão, com certeza, não teria suficientes elementos para fundamentar uma visão adequada da realidade. Pois, nenhum meio de comunicação sozinho é capaz de nos revelar a realidade em sua totalidade. Os comunicadores nos oferecem versões dos fatos. Comparando estas versões, construímos a nossa verdade. Por isto, não é, propriamente, o meio de comunicação que deve ser avaliado, mas o comunicador. Os meios de comunicação são acionados e dirigidos por proprietários ou aparelhos governamentais situados, com suas ideologias e seus interesses. Por isto, em vez de perguntar pelas funções dos meios de comunicação, devemos examinar as ideologias e os interesses dos comunicadores. Os meios são neutros. Não são nem bons, nem maus em si. Apenas cumprem as funções que seus articuladores lhes imprimem, ou que a sociedade deles exige. Por isto, se os comunicadores forem éticos, verazes, politicamente corretos, cultos, ideologicamente críticos, humanistas, com uma visão de mundo adequada... também teremos meios de comunicação confiáveis. Mas, desde já, é importantíssimo estar consciente de que, no modelo da maioria das empresas de comunicação do Ocidente, os comunicadores não passam de empregados, que zelam por seus empregos e, em suas opiniões, não podem ir além das ideologias e dos interesses dos donos das empresas de comunicação. E estes donos, muitas vezes, estão amarrados por certos “acordos de cavalheiros”, compromissos financeiros e de publicidade, pelos quais certos assuntos não devem ser tratados, ou certas pessoas não podem ser criticadas ou mencionadas em seus meios de comunicação. Mas, na medida em que uma sociedade progride e se conscientiza, exigirá cada vez mais qualidade e confiabilidade dos meios de comunicação. E isto afetará os interesses econômicos dos proprietários, ponto em que na sociedade de consumo de hoje existe grande sensibilidade. Por isto, se queremos que os meios de comunicação cumpram as suas funções, é necessário que os consumidores destes meios estejam atentos e sejam críticos em relação a estes meios.

Funções fundamentais dos meios de comunicação

Desde Aristóteles se define o ser humano como “um ser social”. Um ser integrado num grupo com seus valores, com sua cultura, situado num contexto histórico e geográfico. Mas o ser humano não nasce adaptado a esta realidade, por isto, para sobreviver, é necessário que os valores, a cultura e compreensão adequada de seu ambiente lhe sejam mediados. Em tempos idos esta mediação acontecia em ambientes grupais de sua família, de sua comunidade étnica, de sua faixa etária, de seu gênero; através de mensageiros, de reuniões em praça pública, de relatos de viajantes, etc. No caminhar do progresso da humanidade, as antigas formas de comunicação exigem inovações. Por ocasião da invenção da imprensa por Gutenberg, não houve grande dificuldade em escolher o primeiro livro a ser impresso: a Bíblia (1450-1455.). Mas não bastava apenas imprimir, era necessário também aumentar o número de leitores. O que resultou em maior número de escolas em que se ensinava a ler e a escrever. Mas, para encurtar a história, em nosso momento histórico desenvolveram-se de forma incrível os meios de comunicação social. A mídia (média?!) nos envolve como num manto: jornais, revistas, rádio, televisão, telefone, internet... Meios que são o resultado dos incríveis progressos científicos desenvolvidos principalmente desde o séc.XIX, e que continuam vertiginosamente em nosso século. As gerações mais recentes já não podem imaginar o mundo sem satélites, sem fibra ótica, sem computadores, sem internet. E quais as funções destes meios para nós? Segundo os pesquisadores, as principais seriam quatro: 1. Informar; 2. Entreter; 3. Mediar a transmissão dos valores sociais e culturais de uma geração para a outra; 4. Correlacionar as partes da sociedade com seu ambiente existencial.

Cada uma destas quatro funções se desdobra em uma multiplicidade de funções secundárias. Como informações sobre: Política, economia, cultura, realidade social...; entretenimentos: música, esporte, literatura, cinema, novelas, humor...; mediação: valores éticos, linguísticos, educacionais, religiosos, artísticos...; correlacionar a sociedade: com a natureza, com vida urbana, habitação, saneamento, descobertas científicas...

Quando se trata em cumprir todas estas funções, os comunicadores fazem diariamente uma enorme seleção de assuntos, de acordo com o que julgam ser interesse dos consumidores ou das ideologias dos proprietários dos meios de comunicação. E estes interesses dependem de situações políticas, ideológicas, culturais e econômicas do momento. E isto faz com que se apresentem possibilidades e limitações para o usuário dos meios de comunicação, mesmo numa sociedade livre e democrática. A variedade de interesses, a diferença de faixas etárias, as diferenças culturais dos cidadãos faz com que os mesmos conteúdos comunicados sejam interpretados por alguns como cumprimento das funções dos meios de comunicação, enquanto para outros resultam em disfunções. Um filme com muita ação e violência pode ser divertimento para um adulto, enquanto para um jovem ou criança possa resultar na disfunção de incentivo para a solução de conflitos através da violência. Para uns a denúncia e a punição da corrupção política resulta em engajamento para exigir “mãos limpas” dos candidatos, enquanto em outros aumenta o descrédito em relação à honestidade na vida pública.

Possibilidades e limitações

Com a grande oferta de meios de comunicação, em nosso tempo, já existe uma boa margem de liberdade para que cada um possa selecionar os temas e os programas que lhe interessam. Mas aqui também surge a primeira limitação: quem escolhe os temas que vão ocupar o espaço e o tempo dos meios de comunicação são os comunicadores e não os receptores. Além disto, cada receptor tem apenas alguns meios à disposição, e nem sempre dispõe do tempo e do horário em que são oferecidos os programas que lhe interessam. Frente a este problema, alguns meios de comunicação adaptam a sua programação aos horários de seus usuários: programas para idosos, domésticas, jovens, crianças, trabalhadores, estudantes.

Preferências de conteúdos

O que seria de esperar que os meios de comunicação oferecessem hoje aos seus usuários? Todos sabem que os conteúdos da comunicação não são neutros. Eles influem poderosamente na vida dos cidadãos. Já foram chamados de “quarto poder”. Existem inúmeros exemplos da influência dos meios de comunicação sobre o ânimo e a educação das pessoas. As excitações produzidas pela mídia podem gerar violência ou paz; solidariedade ou preconceitos; conscientização ou alienação; virtudes ou crimes; verdades ou falsidades; alegrias ou tristezas; justiça ou injustiças. É pelas induções e efeitos da mídia que, justamente, é possível emitir juízos de valor na realização de suas funções, ou na produção de disfunções dos meios de comunicação.

Podemos nos perguntar se em toda parte os homens estão preparados para interpretar e assimilar adequadamente a avalanche de informações que chegam todos os dias? Com certeza, grande parte não. Há muita falta de conhecimento e preparo crítico para uma adequada triagem dos conteúdos da comunicação. Daí a necessidade de uma vigilância crítica em relação a quem nos comunica, e o quê comunica, para não sermos induzidos aos vícios do consumismo, e das meias verdades no mundo que nos cerca. Entre os comunicadores encontramos muitos “sofistas”, com belos discursos com que querem atrair ao círculo de seus interesses, ambições e ideologias os incautos receptores. A exemplo, refiro-me aos programas dos “agiotas de deus”, que em nome de “deus”(Jesus) prometem milagrosamente a salvação da alma e do corpo, pela doação de “dízimos”. Como se Deus fosse um grande agiota. O problema é que muitas pessoas, também em nosso tempo, ainda não têm a capacidade de diferenciar entre o real e a ficção, deixando-se manipular. Há também aqueles comunicadores que usam a mídia para propagar um perigoso fundamentalismo bíblico irracional, o “novo ópio do povo”, que, ao lado das mensagens publicitárias, cria uma geração de toxicodependentes de imagens e de palavras ocas e ilusórias.

Considerações conclusivas

Contudo, apesar das limitações que encontramos em relação aos meios de comunicação, a humanidade de hoje deve se orgulhar do nível de comunicação a que chegou. Já aumenta consideravelmente o número de empresas e pessoas que contribuem para uma comunicação confiável, de qualidade, de solidariedade e de dignificação da vida humana na terra. Em tempo real estamos unidos aos acontecimentos no outro lado da terra. E nos podemos solidarizar com o que lá acontece, de bom e de ruim. Caminhamos cada vez mais para uma comunicação interativa. Ao menos nos países democráticos, com comunicação livre, nos é permitido expressar nossas opiniões e conhecer as opiniões dos nossos contemporâneos. Mesmo que nem sempre concordemos.

Nos países em desenvolvimento, ainda há muito que fazer para que todos os cidadãos tenham acesso aos melhores instrumentos de comunicação. Mas, mesmo aí, quem não tem acesso a um radinho, a uma “televizinha” para se informar sobre o seu entorno político, sobre iniciativas culturais, ambientais, educacionais e de saúde, ouvir música ou acompanhar algum torneio esportivo? Também os idosos, os enfermos, e tantos outros que não podem participar diretamente da vida comunitária, já não se sentem mais tão solitários, quando podem assistir e participar de cultos religiosos, acompanhar as notícias, assistir a programas de entretenimento, e de outros acontecimentos sociais e culturais, através da televisão, ou de outro meio de comunicação.

Frente a este quadro, como os meios de comunicação são realizações humanas, eles, por natureza, trazem em si a ambiguidade humana. Em parte cumprem as suas funções sociais, e em parte produzem disfunções. Cumprirem, mais ou menos, suas funções depende dos empresários da comunicação, da qualidade dos comunicadores, do preparo e das exigências dos receptores da comunicação, que somos todos nós.

Inácio Strieder é professor de filosofia/Recife