Cultura e ignorância
O 1º Concurso Jackson Ribeiro – Edição 2009, Arte Pública, teve o objetivo de “selecionar e premiar 06 (seis) esculturas a serem instaladas em logradouros públicos da cidade de João Pessoa (PB), devendo as obras de arte serem temáticas e/ou alusivas, POSSIBILITANDO A CLARA COMPREENSÃO DO PÚBLICO” sobre o tema abordado – sendo o que está acima em destaque, na minha opinião, completamente desnecessário constar num regulamento de concurso artístico, uma vez que já é mais que sabido que obras de arte abstratas, tendência praticamente insuperável entre artistas plásticos, não tem a intenção de promover “a clara compreensão do público” sobre seus significados, sendo muitas delas apenas de cunho decorativo.
Ainda segundo o Edital, o concurso foi realizado para “incentivar a produção artística local, cuja finalidade é qualificar as vias públicas, qualificar os logradouros públicos, impulsionar a produção artística cultural, dar visibilidade ao campo das Artes Plásticas na cidade de João Pessoa”, além de “contribuir para o reconhecimento e crescimento do processo educacional e cultural favorecendo a exposição permanente de obras de arte nos logradouros públicos da cidade” – crescimento cultural que, a contar com o repúdio de grande parte de nossa população a determinadas artes e artistas locais, será infelizmente sempre retardado pelo império da ignorância.
Por princípio, as intenções do Concurso são excelentes, uma vez que, a depender de outros administradores municipais menos sensíveis as artes e aos muitos problemas de infra-estrutura à produção de obras e geração de oportunidades para apresentá-las, muitos artistas residentes na capital paraibana permaneceriam para sempre mundialmente desconhecidos. No caso do grupo daqueles que hoje fazem a Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE), cujo administrador mor é o compositor e intérprete Chico César – que, como seus antecessores, teve total apoio do ex-prefeito Ricardo Coutinho a realização de seus projetos – a preocupação em dar trabalho aos artistas (no bom sentido do termo) é uma constante na Fundação. Para tanto, o grupo da FUNJOPE vem idealizando e realizando projetos que movimentam as cabeças mais criativas da cidade, em todos os âmbitos da expressão artística, a dar a conhecer a população o que anda produzindo alguns dos nossos melhores artistas. Entre os vencedores do citado concurso está Marco Aurélio Alcântara Damaceno, com a escultura “As Bênçãos a Nossa senhora das Neves”, instalada no gerador que limita os bairros dos Bancários e Mangabeira; Erickson Campos Britto, com a escultura “Saudação ao Sol”, fixada no Largo da Gameleira; Luiz de Farias Barroso, com “Revoar”, instalada no girador do Bessa Shopping; Wilson Figueiredo da Silva, com “O Cavaleiro Alado”, montada no girador do Centro de Tecnologia da UFPB, e Sidney Leonardo Albuquerque de Azevedo - hoje dirigindo a Galeria de Arte Archidy Picado (Fundação José Lins do Rêgo - Espaço Cultural da Paraíba - FUNESC) - com a obra “Sinergia 2”, no girador da Beira-Rio.
Como a escultura “O Porteiro do Inferno”, de autoria do falecido e homenageado artista paraibano Jackson Ribeiro – que provocou polêmica estimulada pelo pastor Estevam Fernandes, da Primeira Igreja Batista de João Pessoa, hoje instalada no girador da UFPB – as esculturas espalhadas pela cidade de João Pessoa andam provocando celeuma, graças a ação da vereadora Eliza Virgínia (PPS), que sugere um Projeto de Lei que regulamente as instalações de obras de arte em espaços públicos da cidade de João Pessoa. O projeto 472/2010 prevê que as obras, antes de serem expostas, devem ser aprovadas pela Câmara Municipal. Caso seja polêmica, deverá ser realizada uma audiência pública para que a população expresse suas opiniões a respeito da viabilidade ou não de sua exposição.
Ao criticar justamente a proposta, observando que a FUNJOPE já é o órgão público municipal encarregado de tal avaliação, o ex-prefeito Ricardo Coutinho foi considerado “ateu” - o que denuncia a inclinação “evangélica” da vereadora que, como a maioria dos evangélicos (que não gostam de venerar imagens de esculturas), ela não deveria estar dando importância a esculturas que, a despeito da presença da obra “As bênçãos de Nossa Senhora das Neves”, não tem a intenção de estimular a adoração da população de nenhum deus particular, sagrado ou profano, cristão ou pagão, ou mesmo instaurar novas imagens de novos deuses a que devamos prestar homenagens. Todas elas são apenas manifestações do livre-arbítrio que seu Deus deu a todos nós, como aos artistas, fundamento daquilo que, depois da derrocada da “Santa” Inquisição, estimulou o que se convencionou chamar de “liberdade de expressão” - em todos os tempos da história, uma liberdade sempre ameaçada pela suprema ignorância, infelizmente também ainda presente entre aqueles e aquelas que, então insatisfatoriamente eleitos “melhores representantes da vontade popular”, se dizem “guardiões da moral e dos bons costumes”. Ignorância que, desde sempre, tem sido a mãe de todos os males.