O Seu Lugar é Onde Seu Coração Está

A frase do título não é minha! Ao menos eu acho que não... lembro vagamente de ter ouvido, ou lido, em algum lugar... não tenho bem certeza! É, eu sei, isso acontece muito quando a idade chega! (risos)

Enfim, seja lá quem for que tenha criado a sentença, se tivesse como um indivíduo ser realmente definido por uma única frase, a que me definiria seria essa. Mas afinal... por que!? Bom, essa é uma das duas ou três coisas em que tenho pensado muito ultimamente. Acho até que pode-se dizer que esta, atualmente, é minha filosofia. Não de vida, não confunda centavos novos com sentar nos ovos, minha filosofia de vida tem essa filosofia dessa sentença aí em cima inserida no contexto e não o contrário.

Adoro escrever o que estou pensando, o único senão é que o texto fica muito longo e confuso e acabo não sabendo como terminá-lo, é que começo a pensar numa coisa, escrever sobre aquilo, aí já penso em outra, e mais outra, e mais... mas então, tentemos nos ater a esse assunto em questão. Embora muito provavelmente com este texto eu acabe caindo nessa armadilha facinho... para mim os assuntos se relacionarão naturalmente, mas pra vocês talvez seja mais difícil relacionar.

Bom, antes que eu me perca, vamos analisar a frase: O seu lugar é onde seu coração está. Por muito tempo, por todos os lados, ouvi dizerem que o seu lugar é onde você nasceu, onde vive tua família, de onde vieram seus antepassados... uma ex-namorada – que alguns leitores confundiram com outra paixão mal-resolvida, que agora não vem ao caso – provavelmente mais incomodada com a proximidade de estarmos morando na mesma cidade, talvez por haver a possibilidade de nos esbarrarmos em qualquer lugar, a qualquer momento, sei lá, nunca me importei muito com seus incômodos depois que terminou comigo, talvez tivesse medo de suscitar algum sentimento controverso de minha parte, embora mais provável fosse o contrário ocorrer... mas então, ela dizia pra eu voltar a terra onde nasci, pois “lá é que é a tua terra, lá é onde mora tua família”, conforme palavras dela. Isso sempre me traduziu mais o seu incômodo por EU estar morando na “sua” terra do que qualquer outra coisa, soar como uma verdade, ou como se ela realmente acreditasse nas próprias palavras!? Teimosia, ou preconceito, ou que quer que seja... não, não acreditei realmente nisso!

A “minha” terra em questão: nasci em Sapucaia do Sul, cidade-dormitório pertencente a região metropolitana de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, Estado mais ao Sul do Brasil – embora essa honra devesse pertencer ao Uruguai. Sim, nasci gaúcho, nunca neguei isso, nem em momento algum senti vergonha disso. Vergonha somente alheia, por alguns conterrâneos, eles que deram azar de nascer gaúchos, não eu. Sim, gosto muito de churrasco, considerado prato típico do Estado, obviamente salivo ao sentir o cheiro da carne sendo assada na brasa de carvão, ou de lenha. Falo fluentemente o portullano – nossos vizinhos argentinos e uruguaios não dizem “hablar español” como outros fronteiriços Brasil afora, e sim “castellano”, ou castelhano, se preferir. Não torço pra clubes de futebol do Eixo do Mal – alcunha dada por um blogueiro pernambucano, referindo-se a Rio de Janeiro e São Paulo – aliás, tenho alguma simpatia pelo Botafogo, do Rio, e obviamente, como qualquer sujeito que gosta de futebol, me agrada ver ESTE time do Santos, o atual, jogar. Mas simpatia não é amor e futebol bonito agrada, mas não anima, não faz vibrar, a não ser que você realmente torça por aquele time. Meu time, o time do coração, aquele que me orgulho a vestir a camiseta e a ostentar seu símbolo, as letras SCI entrelaçadas, em branco, sobre o fundo vermelho-sangue, é o Internacional de Porto Alegre, o Glorioso clube da Avenida Padre Cacique. Sou colorado! De resto, tenho interesse apenas curioso quanto a clubes de outras paragens, simpatizo com alguns times do Nordeste e Norte – mas não torço, simpatia não é amor, tenho para mim que a relação entre o torcedor e o seu clube é de verdadeira paixão, do contrário, só simpatiza e não torce verdadeiramente. Como torcedor colorado, inclusive, tenho uma certa antipatia, quase que natural, aos times do Eixo do Mal, antipatia essa que só perde para a que temos pelo clube contrário, o tricolino da Azenha. Gosto de lagartear ao sol, no inverno, comendo bergamota. Porém: não costumo beber o chimarrão. Não me vejo, de modo algum, vestindo bombachas, nem gosto daquelas calças pra disfarçar cara sacudo. Gosto de algumas milongas, mas o som da música mais regionalista nunca foi muito de meu agrado, nunca fui muito fã de bailões, nem tenho muito interesse no MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho. Nunca acreditei nos zebus – referência não a raça bovina mas a um termo impublicável – que se gabam de grandes profundidade e bagagem intelectuais – nem sempre verdadeiras – que exemplarmente criticam o famigerado bairrismo gaúcho, no entanto defendem a tese de que o povo gaúcho é extremamente politizado, tese esta que já caiu por terra, dadas as últimas quatro ou cinco eleições para governador do Estado e prefeito de Porto Alegre. Não encaro como povo politizado um povo que ainda hoje se posiciona totalmente favorável ou totalmente contrário a qualquer pessoa, partido, pensamento ou projeto político. Não considero pragmatismo e fisiologismo como posições políticas firmes, posição política é uma outra coisa! Mas... a grande maioria de meus conterrâneos ainda acham que têm de escolher entre ser maragatos ou ser ximangos, ou você é a favor do governo, ou é contra! Trazer grandes empresas é ruim, fazer assistencialismo é bom, ou vice-versa, depende muito de quem está no poder, se é do “seu” grupo, mesmo que você perceba que alguma ação não é exatamente a melhor para sua comunidade, para o momento do Estado, para o bem comum, você é obrigado a concordar e até mesmo aplaudir, do contrário você está traindo o movimento. Da mesma forma, se quem está no poder não é do “seu” grupo, não importa se suas ações administrativas e suas propostas estão trazendo algum benefício a sua comunidade, seja o que for, não é bom e tem que ser duramente criticado. ISSO é ser politizado!? Não, não é, e se o gaúcho, em geral, tem esse tipo de pensamento, sinto muito por isso, mas não, o gaúcho, infelizmente, não é mais politizado que ninguém! A qualidade do eleitor gaudério não é melhor que a do eleitor baré, ou do eleitor gabiru, candango...

Bom, da minha geração e do meu círculo de amigos e conhecidos no RS, acho que poucos nunca se sentiram totalmente inseridos na cultura e no estilo de vida local, e menos ainda os que tinham maiores ambições – a julgar pela quantidade de pessoas que conheço que ainda moram no mesmo bairro. Desses que, como eu, não se sentem inteiramente inseridos no que deveria ser “nosso” lugar no mundo, tinha um amigo com quem perdi todo contato. Esse tinha profunda convicção de que seu verdadeiro lugar não era ali, e sim em Santa Catarina. Tanto que há uns 10 anos, pouco mais ou menos, está praquelas bandas, morando numa cidade próxima de Criciúma. E trabalhando em Criciúma! Sei lá, encontrou seu lugar no mundo!

Sim, pois que não conheço os lugares de onde vieram meus antepassados, nunca fui a Espanha, nem a fronteira com a Argentina, nem a Pernambuco, lugares de onde vieram alguns de meus avós e bisavós. Então não tenho absoluta certeza de que lá seja o “meu” lugar. Mas não, nunca pensei em nenhum desses lugares como “meus”. Inclusive me toca mais a região fronteira com o Uruguai que com a Argentina. O Uruguai todo me toca mais que a Argentina! Um dia eles foram brasileiros, sabia?! Os argentinos, não!

Pois eu, nunca me senti como se estivesse no “meu” lugar – não importa o que digam – e tampouco pensei onde seria o “meu” lugar. Acredito, realmente, que isso possa ser fruto de convicção, mas também de uma descoberta, que remete a outros planos que não só o físico. É, sim, remete àqueles lances de encontrar a si mesmo, descoberta de si mesmo, espiritual, emocionalmente, etc. É bichisse, eu sei, mas é assim que descobri o “meu” lugar no mundo, desculpa aí.

Quando fui conhecer a ex-namorada citada LÁ em cima, no texto, a que me enchia a paciência com o discurso de que o meu “lugar” era onde nasci, atravessei o país e fui parar em Manaus, capital do Estado do Amazonas, Norte do Brasil, chamada a Metrópole da Amazônia. Acabei não só a conhecendo, como também conhecendo a cidade! E em pouco menos de um mês descobri um lugar onde eu gostaria muito de morar, de trabalhar, enfim, de fazer minha vida. Voltei para a cidade onde nasci, voltei para o Rio Grande do Sul, depois de 20 dias, e assim que pus os pés no aeroporto Salgado Filho de volta, obviamente sentia a falta da garota, da mulher por quem me enamorei. Mas não era só isso. Algo havia mudado, me senti ainda mais deslocado na terra onde nasci do que antes. Imediatamente senti falta do calor úmido e da sensação de abafado – aqui estávamos no comecinho do inverno, lá eu chegara no finzinho da estação das chuvas, o inverno manauara – entre outras coisas. Comecei a me interessar e a buscar todo tipo de informação sobre a cidade de Manaus, e não só a cidade, como o Estado do Amazonas, a Amazônia brasileira propriamente dita. Antes dessa primeira viagem a Manaus, jamais pensara muito sobre a região Norte do país, jamais sequer cogitara conhecer aquela região. Por força de um relacionamento, que começou por meios virtuais, é que fui levado até lá. E enfim não me senti mais deslocado! Enfim me senti num lugar que fosse verdadeiramente “meu”, que pudesse realmente chamar de “lar”! Fui-me tornando gradativamente um manauara, comecei a me habituar com outros tipos de frutas, a maioria das quais nunca ouvira o nome na vida, bem como peixes, sabores, aromas... essa garota, usava um creme para o cabelo, cosmético que só existe por lá, cujo perfume até hoje eu lembro, e só no lembrar sinto o quanto era agradável e delicioso. Aprendi a comer pupunha, a tomar açaí na tigela com tapioca, conheci o cupuaçu, o tucumã, o taperebá, etc. Pela janela do avião vi a imensidão de águas que é o rio Amazonas, me extasiei ao ver o encontro das águas dos rios Negro e Solimões... aos poucos, mais que manauara, me tornei amazonense, e por fim amazônida. Embora não tenha o tipo físico, a pele muito branca, os cabelos castanhos claros, a altura considerada demasiado avantajada, gradativamente me sentia um caboclo perreché, acostumado a andar não apenas pelas ruas do Centro histórico, pelos shopping centers, pelo largo, onde se encontra o Teatro Amazonas e a igreja de São Sebastião, pelo porto, ou pelo mercado público, o Antônio Lisboa, a praia da Ponta Negra, enfim, não me contentei a freqüentar os lugares por onde trafegam os turistas, ou aqueles que vão à cidade por dezenas de razões, mas não se integram ao estilo de vida local. Senti-me a vontade o suficiente para andar por cada ruela, por cada travessa, pelos bairros mais sofisticados, mas também pelos mais humildes, muito andei naquelas pontezinhas improvisadas sobre os igarapés, muito me embrenhei por entre casas, casebres, barracos e pequenos pedaços de mata nativa. Me encantei pela cultura local, um misto de culturas açoriana, indígena, cabocla e nordestina, assim como sou apaixonado pelo Internacional, no futebol, por sir Arthur Conan Doyle e outros mestres, na literatura, por Jimmy Hendrix, Renato Russo, Paul McCartney, entre outros, na música, me apaixonei pelo folclore de Parintins, me tornei entusiasta e divulgador dos bumbás no Sul do país, e por onde mais eu passar, mais que tudo, me tornei apaixonado pelo boi bumbá Garantido, o boi do povão, boi do coração, busquei me informar, saber da história, ouço as músicas, procuro as letras das que mais gosto, canto junto, mesmo assistindo pela tevê eu torço, vibro, brinco e me emociono com o meu boizinho na arena do Bumbódromo, lá em Parintins. Aprendi a gostar de forró, fui a várias casas de forró, dançar e paquerar as meninas, em Manaus... o único time de futebol que posso chamar de segundo time no Brasil, é de Manaus – até ano passado era de Itacoatiara, mas enfim – o Fast Club, oh, suprema ironia, aqui sou tão avesso a camisetas de três cores, e no Amazonas sou tricolor... bom, ou seja, até nisso me tornei amazonense, enquanto fiquei por lá – após a primeira viagem, fiz uma segunda, mais longa, em que vivi por três curtos, porém maravilhosos e saudosos anos. Quanto ao quesito futebol, todo amazonense torce pra dois times, um de fora, que é considerado o primeiro – sim, isso me provocou uma certa curiosidade, e até algum incômodo, no início, depois acostumei – e o outro, um time local. Meus amigos torciam em primeiro lugar para Flamengo, Vasco da Gama, Botafogo, Fluminense... uns poucos torciam para times de São Paulo, como o próprio, o Corinthians, o Santos... e depois, torciam pros times “de casa”! Um era vascaíno, e em Manaus, torcia para o galo – é clube atlético também, mas não o mineiro, o Rio Negro – outro são-paulino e torcedor do “Naça”, o Nacional, outro ainda flamenguista e torcedor do São Raimundo. Eu, bem, eu, como já falei, colorado de três costados, fanático pelo glorioso Sport Club Internacional, e comecei simpatizando pelo Fast, depois, conforme ia me “amazonizando”, passei a ser fanático tricolor, lá!

O último estágio, creio que foi quando, no intento de melhor ser compreendido, comecei a usar gírias locais e simular o sotaque amazonense, que, como todo o resto, acabou se impregnando de tal forma que, ainda hoje me pego “pensando” no “dialeto” amazonense, inclusive falando como se lá ainda estivesse! Nunca perdi o sotaque da terra onde nasci, só me tornei bilíngüe, falo fluentemente portoalegrês e amazonês! Até hoje nunca me confundi, falo em portoalegrês com minha família, cá no Sul, e em amazonês com minha outra família, lá no Norte! É, talvez o fato de os dois dialetos terem derivado da mesma língua raiz facilite. Imagine se fossemos da Espanha, ela catalã e eu basco, por exemplo!

Estou, hoje em dia, novamente deslocado, como falei, também LÁ em cima, no começo do texto, estou de volta ao lugar onde nasci, mas não no MEU lugar. Ainda não consegui construir o “meu” lugar, mas já sei que não é aqui, nem perto daqui. Gosto de Porto Alegre, poderia morar em Porto Alegre, sem dúvida, gosto de passear e me embrenhar por algumas ruazinhas, como fizera em Manaus, mas não exatamente da mesma forma. “Mas tu não gostas de Porto Alegre??” Sim, gosto, sim, poderia vir a morar ali, mas ali também não é o MEU lugar, como acabo de explicar! O MEU lugar não é aqui, é lá! Não esqueça, onde estiver o seu coração, é lá o seu lugar! Eu não me esqueço, um dia sequer! Durmo e acordo pensando nisso! Ainda não construí meu lugar, mas sei que o MEU lugar já existe, e é lá, é em Manaus!

Concluindo, acho que podemos dizer também, sem perder o sentido, que o seu lugar é onde você se encontra! Não onde você está, e sim onde você se encontra! Onde você sente que se vê, se percebe, se espelha! Pode ser onde você está, pode ser onde você nasceu, pode ser de onde vieram seus pais, ou avós, bisavós, ou tios e primos... pode não ser um lugar em especial, mas um TEMPO em especial, uma dimensão só sua... ou o mundo inteiro! E por que não!? Pode tanto lhe dar se você estiver na 5ª Avenida, em Nova York, ou numa cabaninha isolada no deserto australiano... quem sou eu pra julgar? Só sei que gosto de caminhar através do horto florestal que divide Sapucaia e São Leopoldo, mas que não me sinto refletido, como me sentia nas trilhas do Parque do Mindu! Aqui eu tenho o lugar onde me sinto deslocado, descentrado, e lá sinto-me no meu lugar, onde me encontro, me vejo... é meu lugar no mundo! Agora sim, vamos resumir, Manaus é meu lugar no mundo! Posso amanhã sair a viajar pelo mundo, navegar os mares, correr de um pólo ao outro, caminhar por várias estradas, canais, vias e picadas, e aqui será onde encontrarei minha mãe... mas é em Manaus que vou me reencontrar, é lá que vou encontrar meu cantinho, o meu lugar no mundo! Espero voltar para lá, voltar a morar, a viver, a me enturmar... e quem sabe dar minha contribuição, para torná-lo melhor!

Ayrton Mortimer
Enviado por Ayrton Mortimer em 23/04/2010
Código do texto: T2215323
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