NORONHA : A ILHA UTOPIA
Fernán de Loronha (Fernando de Noronha!) foi o cristão-novo que financiou, em 1503, a expedição, comandada por Gonçalo Coelho, da qual fazia parte o florentino Amerigo Vespucci. Fernando de Noronha, por isto, foi designado pelo Rei de Portugal o donatário das terras (ilhas) avistadas, a 10 de agosto de 1503, pela expedição de Gonçalo Coelho. Loronha nunca esteve em Noronha. No relatório de Américo Vespúcio estas ilhas , hoje Arquipélago de Fernando de Noronha, foram denominadas de Quaresma. Mas a nau de Gonçalo Coelho se chocou contra recifes e naufragou. Gonçalo pediu a Américo Vespúcio que ancorasse em algum porto. Mas, depois de oito dias, Vespúcio descobriu que as outras naus da expedição se haviam desgarrado (ou o haviam abandonado), e resolveu prosseguir viagem, chegando ao Rio de Janeiro (?) onde, talvez em Cabo Frio, fundou uma feitoria. A partir dos relatórios de viagens de Américo Vespúcio, espalhou-se amplamente pela Europa uma “carta”, escrita em latim, atribuída ao próprio Vespúcio. Este texto foi lido na Inglaterra pelo humanista Thomas Morus que, em 1516, publicou o livro “A Ilha Utopia”. Segundo estudiosos desta obra, não há dúvida que Morus, inspirado nas descrições de Vespúcio das Ilhas Quaresma (Fernando de Noronha), ali imaginou a sua sociedade ideal utópica , e denominou este lugar de “Ilha Utopia”. Alguns relatos já atribuem a Vespúcio a exclamação: “o paraíso é aqui!”. Mas não me quero deter, nesta minha reflexão, sobre o “paraíso” natural das ilhas oceânicas, vulcânicas, de Fernando de Noronha, hoje Distrito Administrativo do Estado de Pernambuco, e no tempo de Vespúcio sem presença humana. Será que hoje Noronha, com seus poucos milhares de habitantes e turistas, não poderia servir como campo experimental para ali funcionar uma sociedade humana e administrativamente ideal, fazendo jus, sob certos aspectos, à sociedade ideal de Thomas Morus, em sua Ilha Utopia? Isto, talvez, pudesse servir de experimento modelo para toda a sociedade brasileira.
Em todo caso, Fernando de Noronha, com cerca de 3.000 habitantes, mais cerca de 1000 turistas, circulando todos os dias por lá, poderia ser um lugar (conforme expectativas de Morus em sua proposta de sociedade ideal) sem necessitados, sem exploradores nem explorados, onde todos seriam iguais em dignidade; os habitantes vivendo dignamente com suas 06 horas diárias de trabalho; com boas escolas, bons hospitais e tratamento de saúde impecável; um povo culto, apreciando as letras, as artes e a música; um povo orgulhoso de sua natureza e de sua história; artesãos qualificados, agricultura orgânica e abundante, respeitando a natureza; um poder de serviço e não de dominação; segurança plena, sem corrupção nem propinas. Um povo amável, bem informado, que recebesse bem os visitantes da ilha, sem ganância de explorá-los; um povo sem alienação e sem drogas. Assim, Fernando de Noronha retrataria um pouco do que seria uma “Ilha Utopia”, um lugar paradisíaco, uma “Bora Bora” brasileira. Será que os dirigentes de Fernando de Noronha, a começar pelo Governador de Pernambuco, não poderiam alimentar este imaginário em relação a este pedaço de território nacional, por assim dizer, ante sala de visitas ao Brasil? Claro, a história de Fernando de Noronha nem sempre foi palco de momentos paradisíacos. Nos pouco mais de 500 anos de sua história já foi invadido por franceses, holandeses, ingleses, e abrigou bases de guerra e prisões com torturas terríveis de presos comuns e políticos. Mas, hoje, sua realidade, tanto para habitantes como para turistas, não tem motivo de não suscitar vida e lembranças paradisíacas. Contudo, de fato, ainda falta uma opção política para que isto se realize. Mas, quem sabe, não se ilumine a mente de seus dirigentes para que cuidem de organizar e administrar utopicamente Fernando de Noronha, e os que lá aportam possam exclamar “o paraíso é aqui”. Assim se deixaria de ouvir, de amantes da natureza que lá estiveram, que a natureza é paradisíaca, mas o custo e o sistema turístico humano lhes deixou um sentimento de amargura na boca, com a sensação de que foram tratados como “trouxas”.
Inácio Strieder é Professor de Filosofia- Recife-PE.