SOBRE A ARTE E A CULTURA DE MASSA

Inquietou-me enormemente o debate sobre arte, suscitado por um desentendimento nos âmbitos do Recanto das Letras. Isto me deixou suspenso por um momento relativamente longo, tirando-me momentaneamente da minha militância ateísta para correr em busca de resposta mais satisfatórias, não para meus adversários, pois estes não me parecem muito interessados em abandonar suas certezas tácitas, o relativismo preguiçoso e a ideologia barata da pós-modernidade para correr em busca de uma nova visão mais madura e confiável sobre o objeto em questão, mas para mim mesmo. Não tive tempo de pesquisar Aristóteles, Diderot, Kant, Hegel, Schopenhauer, Adorno e outros autores importantes a fim de fortalecer meu referencial teórico. Pude apenas perscrutar a minha própria mente e me valer de conhecimentos fracos e apagados sobre estes autores, vindos de leituras antigas e até mesmo despretensiosas, para poder formular um conceito sólido do que seja A Arte. Este artigo é bastante despretensioso pela falta mesmo de referencial teórico, mas isso não quer dizer que estou pedindo indulgência, mas que apenas o tratem por ele mesmo. Não pretendo parar por aqui. O que me leva a escrever este artigo, mesmo sem muita base, é aquela mesma inquietação que me levou a pensar sobre este tema. Talvez a mesma inquietação que leva os artistas a produzir suas obras e os cientistas a resolver aporias.

O que é arte e qual a importância de saber o que é arte? Esta questão não é tão simples de ser resolvida. Os dicionários não ajudam. Eles só dão os significados usuais, o que muitas vezes o torna contraditório. Os livros são confusos. Não nos permite fazer uma separação entre a arte e a não-arte através deles. O povo não parece muito interessado em fazer tal separação. Para eles é muito mais confortante pensar que não existe alguma coisa como A Arte, que arte é aquilo que qualquer um pensa que é arte ou que ninguém é capaz de dizer o que é arte. Para eles, qualquer pessoa que tentar definir este termo estará tentando impor aos outros um conceito arbitrário para alguma coisa que em si mesmo não tem conceito algum. O relativismo pós-moderno e a constante mudança nos paradigmas artísticos os deixa amedrontados e inseguros para fazer uma análise sobre um objeto tão complexo. Pensam que a arte é algo totalmente subjetivo, como a beleza. Se você acha alguma coisa bela, então ela é arte para você, devem pensar desta forma. Mas eu penso que a arte não é algo tão subjetivo. Se o fosse, qual seria o conceito que permitisse tal análise? Dizer que a arte é o belo? Sim, isso seria válido, mas isso acabaria por esvaziar a arte, e é exatamente por isso que combato esta extrema relativização. Desta forma, a arte seria apenas alguma coisa culturalmente construída que agradasse os sentidos e que não precisaria necessariamente ter conteúdo algum. Mas parece que nem todo mundo se satisfaz com a idéia de que a arte não tenha conteúdo. Mas se o tem, isso já foge totalmente do relativismo antes mencionado.

O belo é aquilo que agrada os sentidos. Seu conceito é puramente subjetivo – e menos que outra pessoa me prove o contrário. Por conta disso, naturalmente uma coisa pode ser bela para uns e não para outros. Mas penso que arte não é somente constituída de beleza, mas de idéias. Penso até que beleza nem é necessária para uma obra de arte, sendo que nunca se pode concordar sobre o que é ou não é belo. Alguém pode olhar um quadro de Picasso e achar belo, outra o achará horrível. Mas não é a beleza que vai definir se ele é ou não artístico. A discordância a esse respeito não diz que o quadro é arte para um e não para outro. Diz apenar que é agradável para um e não para outro. No entanto, a arte não é necessariamente agradável, sendo que não se pode agradar a todos. O que faz a arte são suas idéias e a construção destas idéias. O que pode acontecer se duas pessoas discordarem sobre o conteúdo de um quadro de Picasso é por um ter conseguido captar a idéia central e outro só não ter captado e ter se prendido somente á forma, aos desenhos e cores. Não quer dizer que o quadro é arte para um e não para outro. Quer dizer apenas que um conseguiu captar o conteúdo artístico e o outro não. Este segundo não poderá mostrar que não há nenhum conteúdo artístico, só poderá admitir que não o apreendeu. Isso é o que causa inúmeros despautérios ao longo da história. Muitas vezes, por conta da construção que o artista faz em torno da sua idéia, as demais pessoas na conseguem ultrapassar este primeiro estágio e chegar ao conteúdo latente da obra. O artista é o arauto do novo. Suas obras devem fugir ao que é comumente feito, dito e conhecido – mas não a ponto de tornar-se incompreensível nem de fugir dos outros conceitos dos quais se utiliza. Por conta disso, às vezes, somente muito tempo depois de sua morte as pessoas conseguem entender o que ele quis dizer por trás de tão insólita construção. A originalidade inerente ao artista é muitas vezes o principal motivo da sua incompreensão, e por saberem da existência de muitos artistas que só foram reconhecidos como tal muito tempo depois de sua morte, é que os relativistas pós-modernos alegam que a arte é um produto do seu tempo, mas muitas vezes são as pessoas contemporâneas dos artistas que não estão preparadas para ele.

Já fui acusado de elitista por dizer que o artista é aquele que foge do que é comumente feito e dito, ou seja, do trivial. O que não é trivial é obviamente oposto ao que é popular. Obviamente quer dizer que o povo não é artista, pois este se elava acima daqueles. Não é pelo baixo grau de escolaridade e pela ignorância do povo (que infelizmente é um fato) que digo isso, mas porque o artista sempre precisa estar acima dele, não importa quão instruída seja sua sociedade. Mesmo que o mundo fosse formado de pessoas altamente instruídas e educadas (uma utopia, é lógico) o artista estaria além de todas estas pessoas, assim como os cientistas e os filósofos. Mesmo que todos compreendessem o Hegel, os filósofos obviamente deveriam estar além disso, pois é dele que viriam as novidades no âmbito da filosofia. Mesmo que todos compreendessem física quântica, os cientistas deveriam ter conhecimentos que o povo ainda não possui, pois é deles que vêm as novidades. Da mesma fora são os artistas. Mesmo que toda a população fosse capaz de produzir obras maravilhosas, artistas seriam somente aqueles que fizessem obras ainda melhores, que fossem ainda mais originais, enfim que fugissem do trivial, mesmo que esse trivial fosse altamente elevado. Isso complicaria muito o trabalho de um artista, cientista ou filósofos. Mas no entanto suas produções seriam muito melhores. O fato de a população não ter instrução não é a causa eficiente do artista, mas facilita seu trabalho. Por mais instruída que seja uma população, sempre haverá um pensamento padrão, e é disso que os artistas devem se distanciar.

Outro motivo de me acusarem de elitismo é o fato de defender que os artistas sejam pessoas altamente instruídas. Se defender isso é ser elitista, então eu o assumo. Mas se fosse assim, aqueles que me acusam também seriam elitistas, pois eles defendem que médicos e professores devem ser instruídos. Todos sabem um pouco sobre o mundo, mas isso não faz delas um professor. Todos sabem um ou dois remédios e sabem diagnosticar algumas doenças, mas isso não faz delas médicas. Da mesma forma, todos sabem escrever coisas bonitas, mas isso não faz delas poetas. É preciso uma longa educação e um treinamento para isso. A diferença é que para ser professor e/ou médico basta um diploma que é adquirido baseado nos méritos deles durante seu “treinamento”. Mas não existe diploma para certificar um poeta. Ele se faz nas suas obras. Ele precisa desta instrução para poder se elevar acima do pensamento comum, por mais alto que seja. Sem este estudo e este “treinamento” fica difícil tal feito – mas não digo impossível. Sem o conhecimento do que é trivial, ele não vai poder superá-lo. Sem conhecer o que os outros artistas fizerem para fugir de tal pensamento, ele não vai encontrar o caminho certo. Por isso a instrução é importante. Nem todo mundo é médico, assim como nem todo mundo é artista. Mas qualquer um pode ser médico se tiver a devida preparação, mas não há uma preparação específica para um artista. É elitista quem defende que médicos e professores devem ter uma preparação intelectual diferente das outras pessoas? Então por que é elitista dizer que artistas precisam de tal preparação?

Não é somente o artista quem busca fugir do trivial, buscar novos caminhos e formas de ver o mundo. Também o faz o filósofo e o cientista. Existem inúmeras diferenças entre os artistas e estes dois, mas a principal é a forma como eles expõem suas idéias. Filósofos e cientistas as expõem suas idéias com uma linguagem clara, direta e objetiva. Já os artistas o faz de modo simbólico, indireto, estético. Eles buscam uma fuga desta linguagem objetiva por ela ser trivial. O artista é quem mais se afasta desta realidade. Darwin, para falar da teoria da evolução, escreveu “A Origem das Espécies”. Os artistas escreveram romances naturalistas. Marx escreveu livros políticos/filosóficos para tratar das lutas de classes; Emile Zola escreveu “Germinal”. Schopenhauer falava de sofrimento e irracionalismo em suas obras; os expressionistas diziam o mesmo com suas cores. Os iluministas exaltavam a razão em seus livros filosóficos; Mozart celebrava o “século das luzes” com sua música. Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra”, utilizou narrativas e metáforas e vez da linguagem usual dos filósofos. Por conta disso, eu o considero este livro dentro do âmbito das artes e não da filosofia propriamente dita. A diferença básica é como essas idéias são tratadas. O artista as reveste com um conteúdo estético, o que muitas vezes torna difícil a apreensão destas idéias. Muitos dirão que não conseguem ver nenhuma idéia-profunda-que-se-distancia-do-trivial na música de Chopin, por exemplo. Mas ela está lá. O que acontece é que estas pessoas não estão preparadas para apreender estas idéias. É muito mais fácil captá-las dentro de um romance, pois é o que mais se aproxima da linguagem discursiva. Muitas vezes eu também não consigo apreender estas idéias dentro da música, justamente por esse distanciamento do “logos”, mas isso é decorrente de uma educação musical deficiente. A idéia profunda está lá, mas não podemos perceber por não termos conhecimento prévio para isso. Não é tão difícil notar a exaltação dos sentimentos em Beethoven e a fria precisão matemática de Mozart - pelo menos no começo da carreira. Toda obra de arte contém esta idéia profunda central. Às vezes não conseguimos apreendê-la, por isso precisamos adentrar o universo do autor e da “modalidade” artística que ele se utiliza, seja ela poesia, pintura, música, dança, etc.

A arte é uma construção estética, ou seja, utilizando uma linguagem não-literal ou não-verbal, que se faz em torno de uma idéia profunda. Esta construção também precisa ser tão ou até mais original que a idéia central. Isso é o que eu entendo por arte. Alguém pode pensar algo diferente, mas devemos ter sempre em vista um fenômeno assustador que vem crescendo cada vez mais e parece ameaçar o estatuto da arte verdadeira. Qualquer um que venha a fazer uma descrição da arte tem que ter em vista este monstro que pretende devorar a profundidade e a riqueza da Arte: a cultura de massa. É preciso fazer tal distinção, não apenas por arbitrariedade nem por elitismo, como alguns têm me acusado, mas para evitar a banalização de obras de verdadeiros pensadores. É por conta disso que julgo tão importante definir, descrever e conceituar a arte. Nem todo mundo é artista e a maioria das pessoas jamais será um. Isso é inevitável. Mas todos nós temos capacidades de apreciar uma boa obra, de entender sua nuances, de interpretar seu conteúdo mais profundo. Mas isso leva tempo, esforço e educação. Tudo que a sociedade capitalista evita. Não perca tempo tentando interpretar uma obra, ela não tem nada a ser interpretado. Serve somente pra agradar, parece que nos diz a sociedade capitalista. O capitalismo cria seus produtos e os vende como se fossem arte, ao mesmo tempo em que reduz a profundidade e a elaboração da arte genuína ao nível dos seus produtos para que os consumidores não vejam essa diferença. Para o capitalismo, cinema é meramente uma diversão, então não tem nenhuma diferença entre “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin e algum filminho qualquer da Sessão da Tarde. Ao colocar ambos no mesmo nível, o capitalismo quer apenas esvaziar o conteúdo da arte verdadeira para evitar que as pessoas pensem, reflitam, saiam de seus mundinhos medíocres para que não abandonem o consumo, que é a fonte de existência do capitalismo.

O capitalismo produz cultura de massa, ou seja, objetos fabricados em série para o consumo imediato, visando apenas o lucro. Ela vende seus produtos como se estes fossem arte. Em vez de educar as pessoas para compreender e admirar a verdadeira arte, a sociedade a banaliza, reduzindo-a a um mero produto de consumo e fruição imediata, como os produtos que ela fabrica. Sua estratégia é esvaziar o conteúdo da arte, pois não quer que as pessoas pensem, que se libertem nem que parem de consumir seus produtos. Se não há diferença substancial entre “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Harry Potter”, se ambos foram feitos apenas para passar o tempo dos leitores, para diverti-los, para contar uma história interessante, para entretê-los, qual dos dois livros a população vai escolher para ler? É claro que “Harry Potter”, pois esse não é tão “chato”, a linguagem é mais fácil de ser apreendida por um público semi-analfabeto e é muito menos circunspecto. Ao colocar estes dois livros num mesmo nível, o segundo será favorecido, pois ele foi feito justamente para agradar o público. Mas se ao contrário, educassem as pessoas para ver o conteúdo crítico existente no primeiro, elas estariam mais abertas para adentrar este universo, veriam que este livro é produto de um grande intelecto, de um pensamento crítico sobre a sociedade e que têm muito a aprender com ele, que foi criado por um amor pela arte e não para ser vendido tendo em vista o lucro. Da mesma forma, a sociedade capitalista nos fala silenciosamente que a música serve apenas como entretenimento, para animar festa, para ser consumida imediatamente. Coloca no mesmo nível pessoas que têm um profundo pensamento sobre o mundo e outras que só visam o lucro. Qual a população vai escolher? A segunda, é claro. É muito mais fácil “digerir” uma música sem nenhuma pretensão artística e intelectual. Quando são colocados no mesmo nível, o artista verdadeiro e o mero fantoche da cultura de massa, este aparece como alguém que faz coisas “legais”, ou seja, fáceis de serem consumidas, pois não trazem novidade alguma; enquanto aqueles são “chatos”, “caretas”, pois não estão tão interessados em agradar o público, mas em fazer um bom trabalho, com pensamento profundo e originalidade.

A cultura de massa visa o lucro, agradando os consumidores. Por conta disso, qualquer coisa visando à originalidade será vista com desconfiança. O original é o novo e o novo é esquisito, difícil de ser compreendido e aceito. Por conta disso a cultura de massa visa sempre à repetição, escondendo-a com uma roupa nova. As tele-novelas são sempre iguais, todos já sabem o final. O público não que inovação, quer ver sempre a mesma história. E os produtores da cultura de massa apenas repetem as fórmulas que deram certo. Já pensou se no final de uma tele-novela o casal principal morre, assim como em “Romeu e Julieta”? Não... Isso para o público é inaceitável. Isso os deixaria deprimidos, fazendo com que eles consumam menos. Especulava-se que o Harry Potter fosse morrer no final do livro. Mas é claro que a escritora jamais faria uma coisa dessas. Seus livros são feitos para ser vendidos. Quem lesse um livro em que o personagem principal morre no fim ficaria altamente frustrado, como se tivesse lido toda a série em vão. O público adora finais felizes. E os produtores da cultura massificante não podem ofender o público. Para disfarçar esse fato, eles criam produtos feitos para ofender, violentar, escandalizar e causar asco. Mas isso é momentâneo e efêmero, como devem ser os produtos do capitalismo. Existe um público que não gosta desse gênero água-com-açúcar, então o capitalismo os domestica com produtos aparentemente revolucionários. Quem não está a fim de ver um filme “romântico” vai assistir a um filme de terror. Eles querem sentir asco, serem chocados. Mas estes efeitos são tão breves quanto o filme ou um livro que estejam lendo. Quando as luzes se apagam ou quando o livro se fecha, tudo volta ao normal, o asco passa e a vida segue seu rumo habitual. Diferentemente da arte verdadeira, a cultura de massa se prende a chocar os sentidos, mas nunca as idéias. Isso levaria as pessoas a pensar, e isso é a última coisa que o capitalismo quer. Assim sendo, ele vende estes produtos “chocantes” para pessoas com espírito revoltado com as produções mais populares – geralmente jovens. Estes vão sendo delicadamente domesticados e consumindo aquilo que eles acham ser a libertação do pensamento burguês.

O incidente que me levou a escrever este artigo foi bastante curioso. Havia de um lado um grupo defendendo a autenticidade do Terror como arte – ou Gore, pra ser mais preciso. Do outro estava eu, tacitamente afirmando que isso não passava de cultura de massa. Eles alegaram que o Gore era feito para chocar as pessoas, mas quando eu disse que Gore não era arte, foram eles que ficaram chocados e ofendidos. Ou seja, eles acham que têm o direito de chocar as pessoas, mas não querem ser chocados? Não... A questão é bem mais profunda. Eles chocam os sentidos, os artistas de verdade chocam as idéias, as crenças, os valores... Isso é muito mais contundente que qualquer livro ou filme de terror. Estes só duram enquanto estão sendo lidos ou vistos. Uma crítica aos valores dói na alma, demora a sarar – se é que sara. Foi engraçado ver como uma artista ou um filósofo consegue ser tão mais contundente que estes escritores que se põem a chocar os leitores. “Madame Bovary” causou escândalo na sociedade francesa do século XIX. Este livro fazia duras críticas às instituições sociais, como o casamento, a família e a igreja. Flaubert foi processado por conta deste livro, mas nunca vi ninguém ser processado por falar de vísceras, sangue ou morte em um romance. A ferida é mais embaixo. Flaubert escandalizou valores sociais, o que é muito mais inaceitável. Enquanto a cultura de massa, quando se prense a chocar as pessoas, só o faz na dimensão sensível, sem jamais tocas nos seus valores, suas crenças, seus dogmas. Os artistas e os filósofos não estão preocupados se estão ofendendo as crenças do público. Ele faz o que deve fazer. Mas muitas vezes as pessoas não entendem isso como um trabalho intelectual, preferindo achar que chocar ou provocar foi a única intenção. O público não gosta de ter seus valores ofendidos, então a reação natural é se afastar de quem faz isso, se ofender e sentir-se uma vítima de calúnias e injúrias. Quando eu toquei no dogma destes escritores, quando duvidei da certeza deles, quando demonstrei que os deuses deles eram ídolos de barro, quando ousei profanar o santuário, quando mostrei ser contra a religião deles, quando critiquei seus valores, nas suas certezas tácitas, eles se sentiram ofendidos e o choque que tiveram foi maior que o que jamais conseguiram desferir em ninguém. Fizeram-se de vítimas; chamaram-me de baderneiro que só queria provocar, assim como fizeram com Flaubert, Baudelaire e muitos outros. O choque que eles pretendem causar só dura o tempo do filme. O de um verdadeiro artista chega a durar uma vida inteira.

Por fim, gostaria de falar que não sou totalmente contra a cultura de massa. Ela não deve ser abolida da sociedade como uma coisa nefasta que querem nos fazer aceitar de todo modo. O que não deve ser feito é confundi-la com a arte verdadeira. Esta confusão esvazia o trabalho de alguém que tanto se esforçou criativa e intelectualmente. Um trabalho que nasce do amor, do intelecto, dos sentimentos e não simplesmente da vontade de lucrar. Tal distinção é necessária para preservar o trabalho destas pessoas, caso contrário, qualquer esforço para se fazer algo novo e realmente produtivo será em vão. Os objetos de produção em massa são feitos para passar o tempo, para divertir, para entreter, mas não a arte. A arte tem uma outra função. Todos precisamos nos distrair e nos divertir um pouco. Assistir Bergman o tempo todo é cansativo. Às vezes precisamos dar um tempo para nossa mente e relaxar com coisas mais leves, que não exijam tanto do nosso intelecto. Eu adoro “Máquina Mortífera” – os quatro – mas não confundo isso com arte e nem arte com isso. Sei que a única função deste filme é ser divertido, e isso ele o faz magistralmente. A arte pretende mostrar uma idéia profunda, através de uma forma totalmente nova de ver o mundo. Não devemos banir a cultura de massa da nossa sociedade. O que deve ser feito é educar as pessoas para que saibam fazer esta distinção, que não confundam uma coisa com a outra, e que aprendam a explorar o universo da verdadeira arte.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 18/09/2008
Reeditado em 15/04/2010
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