O lado obscuro e preconceituoso do filme Young Hearts

“Em famílias socialmente “estruturadas” não há gays”

Young Hearts [Corações Jovens] é um drama de coprodução belga-holandesa sobre amadurecimento, deste ano, escrito e dirigido por Anthony Schatteman, que conta a história de Elias (interpretado por Lou Goossens), um garoto de 14 anos, que se apaixona por seu novo vizinho, Alexander (interpretado por Marius De Saeger), da mesma idade.

Alexander é um garoto confiante que se muda de Bruxelas para o interior da Bélgica e se torna o novo vizinho de Elias. Tão confiante que não tem problemas em assumir sua orientação sexual, de maneira que, nas primeiras conversas com o novo amigo, quando eles ainda não passavam de meros colegas de sala, o garoto diz que já havia se apaixonado uma vez, e que chegou a namorar outro garoto, por um tempo, no ano anterior. Enquanto Elias, que namora uma colega de sala, e, começa a nutrir um sentimento mais forte por Alexander teme o que os outros podem pensar e, por isso, acaba afastando Alexander. Afastamento que torna Elias conflitante, confuso e solitário, até que, apoiado por seu avô, decide fazer algo para ter Alexander de volta.

Bons tempos foram aqueles que a indústria cinematográfica mundial estava de olhares flertados para dramas sobre amadurecimento em que o relacionamento entre dois — ou mais — garotos do mesmo sexo não extrapolava as fronteiras de verdadeiras amizades, nas telas.

Quem até hoje não se emociona com produções como o clássico da Sessão da Tarde Stand By Me [Conta comigo], baseado no conto The Body [O Corpo], contido na obra Different Seasons [Quatro estações], de Stephen King, dirigido por Rob Reiner e lançado em 1986, em que quatro garotos embarcam numa jornada emocionante, seguindo os trilhos do trem; ou com a amizade entre Erik (interpretado por Brad Renfro) e Dexter (interpretado por Joseph Mazzello), em The Cure [A cura], de 1995, roteirizado por Robert Kuhn e dirigido por Peter Horton?

Dito neste tom pode até parecer que este texto é de autoria de uma pessoa dominada pelo preconceito, mas a verdade é que o objetivo desta crítica é justamente elucidar o lado preconceituoso de uma produção que pretende justamente quebrar estereótipos e apagar rótulos. Nada aqui é colocado com intenções preconceituosas em relação a algum tipo de homofobia internalizada, de modo algum. Vivemos em outros tempos, em que não é mais permitido dar espaço a qualquer manifestação de atitudes discriminatórias, por mais “inocentes” que elas pareçam ser.

Também não se trata de desmerecer a produção cinematográfica, propriamente dita, tampouco direção e atuação. São profissionais gabaritados de altíssimas estirpes, é preciso admitir. Aliás, excluído o lado preconceituoso e obscuro, o filme é indiscutivelmente lindo, maravilhoso e encantador, tanto os cenários, quanto a trilha sonora, que não perde, em nada, para Stand By Me [Conta comigo] ou The Cure [A cura]. E olha que as trilhas sonoras dessas duas produções norte-americanas são simplesmente degustativas. Porém, há coisas nesse filme que não me agradaram.

Confesso não fazer parte do público amante da temática LGBTQIA+, assim, como outro espectador pode não curtir filmes de aventura, comédia, ação, terror... Não se trata de preconceito, respeito quem prefere um gênero cinematográfico em vez de outro, prefiro os dramas de amadurecimento e amizades verdadeiras, porém não me sinto no direito de olhar torto para qualquer ser humano que opte por essa temática, inclusive gostei de Close [“Perto”], de 2022, criado e dirigido por Lukas Dhont, que apesar de não ter me convencido pela trilha sonora que achei muito “miúda”, em relação ao estouro das trilhas dos três mencionados — Stand By Me [Conta comigo], The Cure [A cura] e Young Hearts [Corações Jovens] — conseguiu me arrancar alguns suspiros, diante do sofrimento de Rémi (interpretado por Gustav De Waele) e Leo (interpretado por Edem Dambrine), pela perda da amizade. Aliás, nem o olhei pela ótica de uma leitura insinuativa do gênero gay no filme, foquei nos eixos da amizade e saída da infância e entrada na juventude.

Mas Young Hearts [Corações Jovens] não precisava ser tão apelativo. Sim, eu sei que as redes sociais estão abarrotadas de internautas e críticos de todo o mundo não poupando elogios para o filme. Eu também já disse que é uma produção indiscutivelmente linda, maravilhosa e encantadora, mas nem tudo são flores e nem preciso de ideias preconcebidas. Esse elenco mirim da atualidade interpreta como atores de décadas de experiência cinematográfica. Quem não seria capaz de aplaudir de pé, por diversos minutos, a atuação de Edem Dambrine, interpretando Leo, em “Close”, ou Lou Goossens, interpretando Elias em Young Hearts? Mas é preciso cautela na hora de dizer que o filme não é apelativo, preconceituoso e obscuro.

Preconceituoso porque a trama rege em torno de dois garotos vindos de duas famílias desestruturadas: de um lado Alexander, órfão de mãe, desde seus nove anos e com um fado de cuidar da irmãzinha, enquanto o pai fica ausente, porque precisa trabalhar... do outro, Elias, que apesar de ter uma mãe atenta, carinhosa e dedicada, e não carregar consigo nenhuma responsabilidade que não a escolar, tem um pai superficial mais interessado na carreira artística e na fama que ela pode lhe proporcionar que nos problemas do seio familiar, sem falar num irmão mais velho, desprovido de qualquer diálogo com o mais novo, antes de "o barraco pegar fogo". A narrativa deixa transparecer que: “Em famílias socialmente “estruturadas” não há gays”, ou, que, em famílias “perfeitas” não “nascem” gays.

Obscuro porque tamanha apelação embaçou demasiadamente a preocupação com a influência dos ídolos (atores mirins) na vida dos fãs (espectadores mirins).

Reforço que esta crítica não possui o menor resquício de teor preconceituoso em relação à orientação sexual, e que não é sobre ser preconceituoso. É sobre o direito de liberdade de expressão de opinião, porém, esse tipo de apelação narrativa pode influenciar garotos — e garotas — confundindo-os sobre sua atração sexual, ou seja, um garoto que de fato é hétero, experimentar outro orientação, não necessariamente por ele ser homo, mas pela influência desse tipo apelativo, e quando se der conta, carregar um trauma de arrependimento e frustração por toda a vida.

Digo isso porque segundo a psicologia, grande parte do aprendizado da criança é motivada pelo método da imitação, isto é, a criança concretiza aquilo que ver o outro realizar. Pais, professores, artistas (de todas as idades)... são espelhos não somente para as crianças, mas também para os adolescentes. Sendo assim, todos nós adultos precisamos nos policiarmos na observância de tudo aquilo que entregamos às crianças e aos adolescentes. Hoje em dia, é intensa a propagação do erotismo que deflora a inocência pueril, promovido principalmente pelos veículos de informações.

Gilson Vasco
Enviado por Gilson Vasco em 18/12/2024
Reeditado em 18/12/2024
Código do texto: T8222117
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