Dores e sons (publicado originalmente em 31/8/2024)

“Percebi em 2003-2004 os problemas na voz. Então, comecei a enganar o público. Nos shows, colocava o microfone na direção dele para que cantasse, ou batia no microfone fingindo que estava com problemas. Quando notava que era mais grave, ia ao camarim dizendo que trocaria de figurino e não voltava ao palco.” Celine Dion não se poupa no documentário ‘Eu Sou: Celine Dion’ (2024, Prime). A exposição é corajosa.

Em 2022, a cantora revelou ao mundo, num vídeo impactante, ter descoberto ser portadora da Síndrome da Pessoa Rígida (SPR), doença rara que afeta o relaxamento dos músculos e cérebro, causando espasmos fortes e dor extrema. “É como se alguém me estrangulasse enquanto canto”, disse. A enfermidade, mais predominante em mulheres, atinge uma pessoa em um milhão, nesta proporção. “Você não sabe como me constrange mostrar isso”, balbucia a artista em frente à câmera da diretora Irene Taylor, ao tentar cantar e sentir a voz não sair como deseja.

O filme acompanha Celine entre 2021, na pandemia, e meados de 2023. Exibe a rotina enclausurada com os filhos e cachorro. O dia a dia de exercícios, medicamentos, reflexões e o mais impactante: as duas vezes em que Irene a filma em crise, tendo convulsões. “Não pedi permissão. Apenas liguei a câmera”, contou a cineasta. A tragédia da intérprete é intercalada com imagens do passado: a vemos adolescente dizendo querer ser artista de fama internacional, o tributo ao marido René Angélil (1942-2016, ela interrompeu a carreira e cuidou dele, vítima de câncer), e momentos hilários – cantando ‘My Heart will Go On’ (de ‘Titanic’) num rio e imitando, com Jimmy Fallon, a cantora Sia.

Noutro trecho, já doente, visita enorme galpão onde estão roupas e sapatos, milhares deles. “Não tem como repetir um figurino desses”, alerta ela, de bom humor, apontando a um. Com a pele exposta, não teme a piedade das pessoas. “Sei quem sou.” Duração: 102 minutos. Cotação: ótimo.