FIM

FIM

Após ler vários comentários acerca da série Fim (GloboPlay, 2023), baseada no livro homônimo de Fernanda Torres, rendemo-nos à tela e assistimos em pouco tempo aos dez capítulos, repletos de um clima nostálgico, dos anos 60 e 70 do século passado, até chegar ao século XXI. Os figurinos e os cenários somados à trilha sonora são capazes de suscitar múltiplas sensações, especialmente a quem já passou dos trinta anos – e há quem diga que mexe de maneira diferente aos que já passaram dos sessenta.

Praias, festas, grupos de amigos mais chegados, revelam uma fotografia há bastante tempo pregada na memória. Embora protagonizada por Marjorie Estiano e Fábio Assunção, todas as personagens são significativas. A narrativa é permeada de histórias diversas de casamentos disfuncionais em época na qual casar e formar família eram quase uma obrigação. No entanto, essa geração é atravessada pela revolução dos costumes, pelo divórcio e pelo discurso libertário.

Diante disso, os puritanos e conservadores devem fazer cara de nojo para (atenção, spoiler) as cenas de sexo, traições, surubas, drogas, somadas a muito sarcasmo, este bastante reiterado pela personagem Sílvio, vivida por Bruno Mazzeo, que está incrível, mostrando-se capaz de brilhar em qualquer papel. Mas neste ganha ares de Nelson Rodrigues, João Ubaldo Ribeiro, até reverenciar Marquês de Sade.

Como toda festa chega ao final, “Fim” contrasta as orgias, as bebedeiras e as festividades entre os amigos com os momentos de despedida, nos quais a inevitável das gentes redireciona as figuras humanas para encararem a efemeridade, o ressentimento e até mesmo lidarem com o alívio da perda, em algumas situações. Alívio por se livrarem de personas non gratas e por não terem sido a pessoa “encomendada”, de modo a se perguntarem: quem será o próximo, tal qual a alegria que sente a ovelha ao ver o lobo devorar outra da espécie.

As personagens fazem-nos refletir um pouco de tudo: amor, sexo, traição, formas de paternidade e maternidade, amizade e morte. Diante de tudo, o antagonista é o tempo. Ele é quem enlaça as personagens e nos enreda. Esse enredamento justifica o reforço conferido ao saudosismo, na medida que as histórias são contadas com o auxílio de flashbacks – passado, presente e futuro se misturam, como uma vida repensada.

Ficamos, minha esposa e eu, impressionados com a atuação de todo o elenco, com destaque ao já mencionado Bruno Mazzeo, mas também Débora Falabella, Fábio Assunção, Marjorie Estiano, que se somam a Heloísa Jorge, David Júnior, Laila Garin, Emílio Dantas, Thelmo Fernandes, com participações especiais de Zezé Motta, Ari Fontoura e da própria Fernanda Torres.

Outro aspecto que nos chamou atenção foi todo o cuidado que a produção teve de envelhecer as personagens, afinal quatro décadas se passam. Quase todas estavam impecáveis – da maquiagem ao cabelo, passando pela postura corporal e pela voz. O cenário também acompanha, os carros se modificam, as tendências idem. "Achei bonito ver como seriam minhas possíveis rugas, minhas possíveis manchas. Além das que já tenho, quais poderia conquistar e como seria minha cara. É um privilégio interessante. Gostei", diz a atriz Marjorie Estiano, em entrevista ao Portal G1.

É claro que, diante de tantas surpresas, não controlei minha avidez, apesar de ter adiado a leitura do livro que inspirou a série. “Fim” foi publicado há dez anos. Recordo-me que à época tornou-se um bestseller, no melhor sentido da palavra. Agora, à medida que leio o livro, vejo o quão justa é a chegada da série e todo seu sucesso, haja vista que a Fernanda Torres ainda é uma escritora não prestigiada como merece, não levada a sério como devia, talvez porque muitos ainda a reduzem a seu trabalho como atriz/comediante. Mas Torres dirige, escreve roteiros, publicou outros livros, e tem uma forma peculiar de escrever. A impressão que se tem ao ler e ver “Fim” é que a história se conta, flui, como correm o rio e o tempo.

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.

(Texto publicado em A União em 29/12/2023)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 29/12/2023
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