Tato de tecnocrata (publicado originalmente em 29/7/2023)
Em 2020, Felipe Tomazelli e Ricardo Martensen lançaram pela HBO o documentário ‘Confisco’ (íntegra no youtube), relato didático sobre o ‘Plano Collor’, que sacudiu o Brasil entre 1990-91, quando a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, anunciou que, dali em diante, cada brasileiro que tivesse na conta mais de 50 mil cruzeiros (R$ 8 mil hoje) ficaria com 80% retido, ou seja: R$ 1.600 por mês.
Contextualizo: 33 anos atrás boa parte do povo não era correntista, a (hiper) inflação era de 3% ao dia (2.000% ao ano!) e a ideia buscava atingir da classe média alta para cima. Felipe e Ricardo entrevistaram Zélia, numa das raras aparições dela na mídia. E focalizaram o casal Ester-Dorival, de Bauru (SP), atingido em cheio com ‘Plano Collor’: iam comprar casa, investir na transportadora da família. De uma hora para outra, tudo acabou. Tiveram de vender tudo. ‘Meu pai ficou amargo, teve depressão’, revela a filha. A esposa chora ao recordar traumas.
O documentário mostra cenas do cotidiano de Zélia (os filhos que teve com Chico Anysio não aparecem, mas, sim, um sobrinho, e assistem aos jogos do Brasil na Copa-2018), ao mesmo tempo em que a fita lembra, por arquivo das emissoras de TV, como eram os loucos dias do 1º semestre de 1990. O roteiro é honesto ao descrever que o Plano teve boa recepção inclusive de dirigentes esquerdistas, como o economista Luiz Beluzzo e o sindicalista Vicentinho. ‘Foi falta de tato. Coisa de tecnocrata’, Zélia admite, na gravação de 2019, sobre o modo como apresentou tópicos em rede nacional e acerca de seu comportamento às vezes arrogante nas entrevistas em telejornais.
Dias depois do anúncio das medidas, o caos foi tamanho que suicídios ocorreram. ‘Devia ser um homem naquela cadeira. Se eu fosse um, acho que a responsabilidade pelo desastre seria dividida. Mas não sou vítima de nada’, completa Zélia. Duração: 87 minutos. Cotação: bom.