O 'eu interior' (publicado originalmente em 26/11/2022)
Em 54 anos de carreira (1956-2010), Jack Nicholson, 85 anos, tema desta coluna inúmeras vezes, filmou 60 longas-metragens – média de mais de um a cada 12 meses. Deles, vi 39. Uma das características do ator é a heterogeneidade em trabalhar com os mais variados diretores, de nacionalidades distintas e que pensavam o cinema de formas variadas.
Michelangelo Antonioni (1912-2007) estava entre eles. Em 1975 foram lançadas 4 fitas com Nicholson como protagonista – uma delas, ‘Profissão: Repórter’, do diretor italiano (na íntegra no youtube). Com locações na Itália, França e Espanha, a abordagem psicológica da trama envolve usurpação de personalidade e o desejo de fuga da realidade.
Nicholson é David Locke, repórter televisivo que, no Deserto do Saara, grava sobre guerrilhas terroristas locais. No hotel, conhece Robertson, sujeito misterioso e bastante parecido fisicamente com ele, que morre repentinamente, de infarto. Locke, irritado, desgostoso com a vida, casamento e trabalho, arrisca a sorte e troca de identidade com o falecido.
A partir daí a jornada em busca do ‘eu interior’ se inicia. Com a revelação de que Robertson era contrabandista de armas, o perigo sempre está iminente. Em Barcelona, Locke conhece uma turista (Maria Schneider, que, com Marlon Brando, protagonizou o polêmico ‘Último Tango em Paris’ – 1972) disposta a ajudá-lo a escapar ‘de tudo’.
A fotografia e o script são os destaques. Na primeira, pela paleta de cores pastéis, beges, sem graça, que dão o tom ao sentido morno e sem sentido de Locke. Pela metade do filme, as cores brotam – passa a impressão de que, ‘agora sim’, tudo se encaixará e o jornalista será feliz. Tolice.
A ‘viúva’ de Locke quer se encontrar com Robertson, última pessoa a conversar com o marido supostamente morto. A sequência final do ‘road movie’, de cerca de 7 minutos, com a câmera se movendo lentamente de dentro para fora do quarto onde David está, cuja janela possui grades, e, na parte de fora, invertendo o eixo, mostrando o repórter estirado na cama (morto?) é o ponto alto nesta produção de poucos diálogos, cenas bem dirigidas e belas paisagens. Maria deixa a desejar, está nada inspirada. Duração: 120 minutos. Cotação: ótimo.