Deturpações cerebrais (publicado originalmente em 19/11/2022)
O ditado oriental “Homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis geram homens fracos; homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes” cabe em ‘A Onda’, filme alemão de 2008 (na íntegra no youtube). Baseado num fato ocorrido na Califórnia na década de 1960, mostra que quem deseja manipular, principalmente de adolescentes de cabeça oca, atinge o objetivo se tiver o mínimo de influência.
Wegner, professor de ensino médio, dá, durante uma semana, curso de Autocracia. No primeiro instante, o desinteresse dos alunos impacta o mestre, que propõe abordar o nazismo como exemplo do tema a ser debatido. Quando um jovem o provoca dizendo que jamais ocorreria de novo no país – “estamos no século 21” –, Wegner se desafia: fará a turma sentir o gosto pesado do regime déspota, sem que percebam. Igual Gramsci elaborou lá atrás (‘Fazer com que todos sejam socialistas sem notar’).
Em 2 dias, a sala está dominada pelos mecanismos totalitários, onde o professor é o líder, aponta lemas como ‘força pela disciplina’ e escolhe ‘A Onda’ como nome do movimento. Mentes vazias não raciocinam. A coisa sai do controle. Um dos estudantes se torna devoto de Wegner a tal ponto de transformá-lo numa espécie de imperador. Grupos de rebeldes saem às ruas para pichar o símbolo d’A Onda e arriscam suas vidas. O jogo de manipulação de massas, quando o docente pretende encerrá-lo, está gigante e fora de alcance.
O comportamento e o ego de Wegner, em certa medida, inflam conforme os dias passam e ele próprio quase vira um tirano de verdade, mesmo com a esposa. O longa-metragem rendeu discussões. Até hoje é ilustrado com variadas teses, vindas tanto da esquerda como da direita (de Hitler a Stalin, passando por Tse-Tung e Pol Pot, indo até Saddam Hussein e Mussolini).
Testar limites do inconsciente com palavras de fácil assimilação, ‘dizer o que a audiência deseja escutar’ e fazer determinado grupo pensar que têm características que os diferem da maioria é o mote a ser captado aqui. O perigo está aí, cancelando o ‘cala a boca já morreu’. Sempre nos ronda, à espreita. Duração: 106 minutos. Cotação: bom.