O 'reality' de estreia (publicado originalmente em 29/10/2022)
Ainda estou em dúvida se consegui entender ‘O Anjo Exterminador’ (1962 – direção: Luis Buñuel).
Primeiro, pergunto: qual é a tese por trás das ovelhas e urso presentes em determinadas cenas? Instigar o espectador a raciocinar que quando o ser humano perde a cabeça o descontrole se assemelha bastante ao dos bichos, todos irracionais?
Segundo, indago: o que fez resultar naquele comportamento dos convidados do jantar em não quererem sair da casa foi um simples sentimento de etiqueta (ninguém desejar ser o primeiro a se despedir) ou ‘algo sobrenatural’, como se fossem fantasmas povoando o local?
Terceiro, por fim, prossigo: qual a razão do título da obra ser ‘O Anjo Exterminador’? Há algo relacionado com a psicologia, por exemplo? Elucubrações à parte, notam-se alguns ingredientes perspicazes. Por exemplo: Buñuel foi o pioneiro nos hoje chamados ‘reality shows’, ou seja, trancar pessoas dentro de um local e espiar suas condutas.
Claro, tudo devidamente dentro do script recheado de bons diálogos e permeado de digressões. O cineasta marcou a trajetória por expor ao público as vísceras da alta sociedade, empertigada em ternos e vestidos, mas com segredos e vontades inconfessáveis por debaixo dos panos.
No Brasil, Nelson Rodrigues foi quem pôs estas hipocrisias da elite aos olhos nus. Em ‘Anjo Exterminador’, no entanto, na medida em que os dias passam, a mansão vira atração turística (chega a lembrar, de leve, ‘A Montanha dos Sete Abutres’, de 1951 – direção: William Wilder) e os transeuntes desejam saber o que se passa ali dentro (ao quererem entrar no recinto, a tal ‘força’ os impede de penetrar).
Na casa, requintes são deixados de lado e o que vale é a sobrevivência, seja de que modo for. Não importa mais elegância e refinamento. Num determinado ponto convidados viram pedintes. Imploram por água e comida. Noutro, apenas aspiram uma cama para repousar.
Há várias interpretações possíveis e imagináveis para a fita, principalmente se nos debruçarmos, como citei antes, na psicologia. Em desespero o ser humano é capaz de tudo, sem ter discernimento a nada e onde a censura passa longe. No momento da fome, sede, sono, viramos bichos perigosos. Duração: 91 minutos. Cotação: bom.