'Nem Tudo se Desfaz...' (publicado originalmente em 17/9/202)
‘Nem Tudo se Desfaz’ (2021) é preciosa joia. Dirigido por Josias Teófilo, descortina a trilha desde os bastidores das chamadas ‘Jornadas de Junho de 2013’, manifestações iniciadas pelo aumento dos 20 centavos na passagem de ônibus (sem o protagonismo de partidos políticos), que se transformaram em clamores por melhorias em 100% dos serviços públicos (lembram do ‘Padrão Fifa’ à saúde, por exemplo?), até desembocar em 2018, na vitória de Bolsonaro.
A obra é dividida em 4 movimentos: o 1º, citado, são os protestos; em seguida, o impeachment de Dilma, 3 anos após os eventos; o 3º é a prisão de Lula, em 2018, mesclada com o surgimento da ‘Nova Direita’; por fim, a eleição de Bolsonaro, como espécie de consequência, na escalada sem freios.
Teófilo é cineasta diferente. Culto, fã de música clássica, leitor voraz, principalmente de filosofia (é dele um outro documentário, ‘Jardim das Aflições’, de 2017, sobre pensamentos e cotidiano de Olavo de Carvalho), empresta a ‘Nem Tudo se Desfaz’ seu quinhão de inspirações.
Frases do livro ‘Massa e Poder’, de Elias Canetti, salpicam o filme (‘A massa jamais se sente saciada’ / ‘Terminada a destruição, o fogo, assim como a massa, tem de extinguir-se’), dando ao conteúdo ingredientes complementares de satisfação. Não apenas.
Há cenas que, por si só, resumem todas as explicações dadas por professores, pensadores e jornalistas presentes na fita. Aos 19 minutos, por exemplo, surge a sequência de um pequeno grupo de pessoas num momento das tais manifestações. Um jovem negro, então, entoa o Hino Nacional. Imediatamente, vaias pipocam para abafá-lo e, no lugar, outros revoltosos iniciam o grito de ‘poder popular’, com punhos erguidos. Era a esquerda querendo fincar a bandeira como dona do pedaço.
Um dos entrevistados sintetiza: “A esquerda, pela primeira vez, não tinha o domínio da situação. Pensaram: ‘Como ousam protestar sem a nossa autorização?’”. O desmanche econômico a que o país foi alvo, em meados da década passada, está escancarado para quem desejar ver. ‘[O governo] levou a Constituição às últimas consequências no seu estatismo’, diz a voz em ‘off’ de Reynaldo Gonzaga, narrador. Semana que vem sigo a peroração sobre este documentário fabuloso.