Cadê 'Match Point'? (publicado originalmente em 21/5/2022)
O Sindicato dos Roteiristas da América (SRA) divulgou há alguns meses que o script de ‘Corra!’ (2017), escrito por Jordan Peele, foi eleito como o melhor do século 21 (até este momento, diga-se). O pleito ocorreu com votos dos membros internos da instituição. Claro, a escolha gerou e ainda gera desavenças. Eu mesmo não concordo.
Dentre os 101 da lista, ‘Cidade de Deus’ está no 70º posto, é o único brasileiro. Longas-metragens lacradores, como era de se supor, ocupam o top 10: ‘Parasita’ (2019), na 4ª colocação, e ‘Moonlight’ (2016), 6ª. Alguns porretas, como o ótimo ‘Sangue Negro’ (2007) e ‘Bastardos Inglórios’ (2009), estão, respectivamente, em 7º e 8º.
Fui fuçar os 101, procurando ‘Match Point: Ponto Final’ (2005), de Woody Allen. Este, se eu fosse do SRA, ganharia medalha de ouro. Entrei no site e vasculhei cada posição. Fui baixando, baixando... Achei outro de Allen: ‘Meia-Noite em Paris’ (2011), jogado em 83º, abaixo de fitas que não mereciam, como ‘Me Chame pelo seu Nome’ (2017 – 79º) e ‘Roma’ (2018 – 62º). Nada de ‘Match Point’!
Aos que não se lembram, é o filme onde um aspirante a novo rico se casa por interesse com a filha de um empresário milionário, consegue emprego com o sogro e se torna amante da cunhada, nada menos do que Scarlett Johansson em seu melhor momento no todo: interpretação, beleza e sensualidade (merecia ter sido indicada a coadjuvante).
Quando a personagem de Scarlett engravida dele e ameaça abrir o jogo à família, o sujeito a mata friamente. Woody Allen, então, faz a sua jogada de mestre no roteiro. O assassino só não é preso por um detalhe praticamente inacreditável, se livra da culpa totalmente e termina a película vivendo sua rotina com a esposinha (não conto aqui o tal detalhe para não estragar a surpresa).
Não é possível que esse SRA tenha se esquecido desta obra de arte, que não apenas se destaca por esta cena, mas pela sua integralidade, ao exibir hipocrisias e ironizar o modo de vida dos ricos ingleses, espécie de elite culpada que deseja destronar o moralismo e, ao mesmo tempo, elevar as falsas virtudes.