'1984' é agora (publicado originalmente em 30/4/2022)
Uns 20 anos atrás, por aí, li ‘1984’ (George Orwell). Semanas atrás, li-o de novo. Claro, o impacto é diferente: hoje estamos nos sombrios tempos com censuras e a Patrulha do Politicamente Correto. A primeira adaptação ao cinema, rodada na Inglaterra e lançada em 1956 no Brasil como ‘O Futuro do Mundo’, deixa bastante a desejar, principalmente a quem mergulhou nas páginas.
Estrelado por Edmond O’Brien, Jan Sterling e Michael Redgrave, dirigido por Michael Anderson (seu trabalho seguinte foi o épico ‘A Volta ao Mundo em 80 Dias’, do mesmo ano), o filme retrata com fé rasa a história da sociedade totalitária vigiada pelo Grande Irmão, onde pensar pode ser a desgraça de alguém (parecido com hoje?).
Na trama, Smith (Edmond), funcionário do governo, quer se rebelar contra o ditador-supremo, mas não vê meios. Redige um diário e conhece Julia (Jan), também funcionária e subversiva. Apaixonam-se sabendo do risco (o amor é proibido). Neste ínterim, pensam contar com a ajuda de O’Connor (Redgrave), e capitulam.
Capturado, Smith é torturado ‘para se curar’, ‘encontrar a verdade’. Teletelas, ambiente sinistro, amedrontador, de Londres, capital de Oceânia, estão presentes. A frieza tanto da direção como do elenco desperdiça o cenário. A cidade repressiva e os diálogos ardentes e ameaçadores são substituídos por encenações frágeis, com script mal-ajambrado. O maior exemplo é a sequência na qual Smith se depara com seu maior medo: ratos, na temida sala 101.
No livro, a atmosfera de clausura, pânico e extremo desespero atiçados por O’Brien (O’Connor no ecrã) fazem o leitor quase abandonar a história (meu caso), tal o gigantismo de fobia instalado ali. Na fita, dura poucos segundos, não transmite susto algum.
Em 1996, Otávio Frias Filho, então editor-chefe da Folha de SP, escreveu artigo sobre ‘O Futuro do Mundo’ – pasmem: afirmou que Orwell ‘errou’ na previsão – “atualmente, democracias se consolidaram no planeta”, comentou. Curioso. Só se esqueceu (será que de propósito?) de, pelo menos, Cuba e China que, há 25 anos, tinham regimes despóticos a, respectivamente, 37 e 47 anos! Se Filho estivesse vivo (morreu em 2018), repetiria a frase? Creio que sim. Sabemos os motivos. Duração: 90 minutos. Cotação: ruim.