O protótipo da 'esquerda festiva' (publicado originalmente em 26/2/2022)
Perto de completar 85 anos (22 de abril) e longe das telonas desde 2010 ('Como Você Sabe', um dos piores filmes do século 21), Jack Nicholson foi tema desta coluna muitas vezes. Na de hoje comento 'Cada um Vive como Quer' (1970). Rodado durante o inverno, em 40 dias, e com modesto orçamento de 900 mil dólares, foi o 1º trabalho dele como protagonista.
Lançado no início do mandato do presidente republicano Richard Nixon (1969-74), trabalhou a dúvida existencial de muita gente da época: o 'american way of live' (modo de vida americano) estava em xeque e, ao mesmo tempo, parte da população de trinta e poucos anos achava estar velha à outrora contracultura dos anos 60. A 'elite culpada' ('esquerda festiva', se preferir) buscava 'algo a mais'.
Era o caso do personagem de Nicholson, Robert. De família intelectual, estudou piano e vivia cercado de livros. Optou por viver longe como peão na indústria do petróleo. Morava num trailer, bebia cerveja, tinha amigos bobocas e tentava afastar memórias do período 'burguês'.
A namorada, Rayette, linda e tapada, só dava palpite errado e não parava de mascar chiclete. Um dia, a irmã de Robert, Tita, o procurou e lançou-lhe a bomba: o pai estava à morte e, quem sabe, uma visitinha o faria dar bafejadas alegres. A contragosto, topou e partiu de volta ao passado, sem antes arrotar má educação à Rayette, proibida de ir junto (ele tinha medo de possíveis vexames).
O diretor Bob Rafelson (mês passado completou 89 anos) estava em seu 2º longa (faria outros 4 com Nicholson: 'O Dia dos Loucos'-1972, 'O Destino Bate à sua porta'-1981, 'Cão de Guarda'-1992 e 'Sangue e Vinho'-1995) e admitiu que o script de Carole Eastman foi autobiográfico.
'Cada um Vive como Quer' recebeu 4 indicações ao Oscar - filme, ator (Nicholson), roteiro original e atriz coadjuvante (Karen Black, a Rayette). Nada levou, porém, norteou o rumo das escolhas dos personagens que o eterno Coringa ('Batman'-1989) faria ao longo da carreira, e tem cenas icônicas, como quando Robert pira dentro do carro, ou quando sobe num caminhão para tocar piano. Duração: 98 minutos. Cotação: bom.