Cuba nua e crua (publicado originalmente em 12/2/2022)
'Estamos em 1975. O regime parece funcionar'. É dessa forma que o então novato cineasta Jon Alpert descreve o que vê. 'Cuba e o Cameraman' (2017), documentário da Netflix pouco divulgado pela imprensa porque mostra a derrota da esquerda, se inicia assim. Munido da 'nova câmera', Jon viaja ao país à cata de histórias.
A revolução bolivariana está com 16 anos, já mergulhada na ditadura castrista, e aparentemente caminha bem: saúde boa, escolas com alunos satisfeitos, mercados abarrotados de produtos e habitantes sorridentes. Alpert capta 4 'personagens': Fidel, os 4 irmãos camponeses Borrego, Caridad, menina de 13 anos, e Luís, biscateiro.
A ideia: acompanhá-los durante o tempo que pudesse. A primeira abordagem exibe-os bem: fartura a dar e vender. O regime comunista se sustenta com dinheiro mastodôntico da União Soviética, que o abastece com tudo, de comida a materiais de construção. Ainda em 1975 Jon consegue depoimento simpático de Fidel.
Em 1979, quando o ditador discursa na ONU (Nova Iorque), o documentarista o segue no voo, entra no hotel e mostra o quarto onde Fidel, que a esta altura considera Jon um amigo, está instalado. Passam-se os anos. O cameraman retorna em 1992, 2000, 2005 e 2016. O cenário, claro, está alterado.
A URSS não existe mais, o dinheiro é escasso, prateleiras dos mercados estão às moscas, carne é rara, o pão, racionado, casas caem aos pedaços, Fidel se refere à crise econômica culpando o embargo norte-americano, o povo quer fugir em busca de liberdade.
Os irmãos Borrego estão tristes ('vêm aqui e matam nossos animais para comê-los, o povo tem fome'), Caridad se mudou à Flórida e Luís, que esteve preso, vive num barraco de onde comanda sua 'empresa', que vende cimento no mercado negro.
Alpert, que 'se apaixona' pelas pessoas, sobretudo os Borrego e Fidel, descortina a realidade nua e crua: comunismo e socialismo são barcos furados, arrancam tudo da população, a começar pela independência, autonomia. A comprovação salta aos olhos. Quem observa os atuais protestos no país e acompanha os vídeos de Zoe Martinez, sabe a que me refiro. 'Cuba e o Cameraman' é imprescindível. Duração: 114 minutos. Cotação: ótimo.