Roger Corman, um homem contra o sistema
ROGER CORMAN, UM HOMEM CONTRA O SISTEMA
Miguel Carqueija
Um rapaz e uma garota, arriscando suas vidas, tinham eliminado um animal perigosíssimo, um dinossauro recriado geneticamente por uma cientista louca. A moça, porém, pegou uma doença causada por ovo de galinha contaminado pelo DNA do dinossauro. O rapaz a leva para um hospital improvisado, onde outras pessoas contaminadas já se encontravam. Aí chegam os soldados e matam todo mundo — fórmula encontrada para deter a propagação. Depois incendeiam o prédio, e a última coisa que a câmara mostra é um cartaz de Mad Max sendo lambido pelas chamas, e nele ainda se pode ler a legenda: “Por que se preocupar?”
Este é o final genial de “Carnossauro”, uma obra-prima de Roger Corman, produzida em 1993, o mesmo ano em que Spielberg lançou seu medíocre e oco “Jurassic Park”. E a mídia, condescendente com a mediocridade de Steven Spielberg (o cineasta emblemático do consumismo norte-americano) foi impiedosa com Corman, acusando-o de “picaretagem”. Mas o caso é que o mestre do terror não se deu por achado: como o livro que originou “Carnossauro” foi publicado antes da obra de Michael Crichton, que inspirou Spielberg, Corman concluía irônico: acreditava não ter havido, da parte de Spielberg, intenção de plágio...
Na verdade os dois filmes são diferentíssimos. E enquanto “Jurassic Park” é alienado, e sustentado por efeitos especiais, o “Carnossauro”, apesar do fantástico do enredo, é denso e tem mensagem. Como de hábito, a autoridade pública é a vilã.
Muitos dos admiradores de RC preferem a sua fase dos anos 50 e principalmente dos anos 60, que consideram o auge da sua carreira. É a época das fitas hoje tidas como clássicas, tais como “A pequena loja dos horrores” (60), “Contos de terror” (62), “O homem dos olhos de raio-X”, “O corvo” e “O castelo assombrado” (63), “A máscara da morte vermelha” (64) e “O massacre do dia de São Valentim” (67). Depois salta-se até 1990, com “Frankenstein unbound” (Frankenstein libertado). Entre 1971 e 1990 Corman não dirigiu nenhum filme (fala-se que ele teria co-dirigido dois sem ser creditado, assinando apenas como produtor); em 1990 retorna à direção com “Frankenstein unbound” e “The hauting”, que é uma ampliação de “The terror”, outro clássico dos anos 60 (de 1963, precisamente). Quase todos os filmes que Roger Corman dirigiu, também produziu. Depois de 1971, porém, ele se torna quase exclusivamente produtor. E há muito preconceito contra o chamado “cinema de produtor”.
No entanto RC é um produtor de estilo, suas obras possuem apuro visual, capricho nos cenários, que interagem bem com a ação, e os intérpretes, mesmo quando pouco conhecidos, são interessados e eficientes (a interpretação de Luana Anders em “Dementia 13” é genial).
Uma constante na obra de Corman, porém, é a posição contrária ao sistema norte-americano. Corman mostra uma sociedade corrupta e autoridades constituídas venais e arbitrárias. A CIA é mostrada como uma organização obscura e autoritária. A polícia com frequência é corrupta e violenta. A série de filmes de ação estrelados por Don “The Dragon” Wilson, já nos anos 90, mostra exatamente isso. Em “Bloodfist VIII: Trained to kill” (“No limite da violência”, série “Punho sangrento”) um dos personagens fala: “Na CIA, como na Máfia, ninguém se retira, a não ser que morra”. O personagem central é o Professor Rick Cowan, homem perseguido por um passado incômodo, pois foi agente da CIA e preferiu abandonar essa vida. É outro aspecto nos personagens de Corman: um homem, ou uma mulher, que deseja redimir-se de seu passado.
Esse lado contestador de Roger Corman pode explicar porque, embora tenha ajudado um grande número de nomes do cinema — inclusive Francis Ford Coppola, que é sua cria — ele dificilmente seja mencionado em entrevistas ou declarações. Poucos teriam a coragem de citar RC como um dos grandes do cinema. Para ele a sina será sempre ser chamado o “Rei do Cinema B”, ou seja, uma curiosidade, embora seja muito mais do que isso.
Rio de Janeiro, 13 a 28 de maio de 1998.
Post-scriptum: Uma lenda viva do cinema norte-americano, Roger Corman, hoje com 94 anos, segundo consta ainda trabalha com a produção de filmes. Ele é uma recorrência na minha escrivaninha, onde várias de suas películas foram resenhadas.
Cena de "Carnossauro"
ROGER CORMAN, UM HOMEM CONTRA O SISTEMA
Miguel Carqueija
Um rapaz e uma garota, arriscando suas vidas, tinham eliminado um animal perigosíssimo, um dinossauro recriado geneticamente por uma cientista louca. A moça, porém, pegou uma doença causada por ovo de galinha contaminado pelo DNA do dinossauro. O rapaz a leva para um hospital improvisado, onde outras pessoas contaminadas já se encontravam. Aí chegam os soldados e matam todo mundo — fórmula encontrada para deter a propagação. Depois incendeiam o prédio, e a última coisa que a câmara mostra é um cartaz de Mad Max sendo lambido pelas chamas, e nele ainda se pode ler a legenda: “Por que se preocupar?”
Este é o final genial de “Carnossauro”, uma obra-prima de Roger Corman, produzida em 1993, o mesmo ano em que Spielberg lançou seu medíocre e oco “Jurassic Park”. E a mídia, condescendente com a mediocridade de Steven Spielberg (o cineasta emblemático do consumismo norte-americano) foi impiedosa com Corman, acusando-o de “picaretagem”. Mas o caso é que o mestre do terror não se deu por achado: como o livro que originou “Carnossauro” foi publicado antes da obra de Michael Crichton, que inspirou Spielberg, Corman concluía irônico: acreditava não ter havido, da parte de Spielberg, intenção de plágio...
Na verdade os dois filmes são diferentíssimos. E enquanto “Jurassic Park” é alienado, e sustentado por efeitos especiais, o “Carnossauro”, apesar do fantástico do enredo, é denso e tem mensagem. Como de hábito, a autoridade pública é a vilã.
Muitos dos admiradores de RC preferem a sua fase dos anos 50 e principalmente dos anos 60, que consideram o auge da sua carreira. É a época das fitas hoje tidas como clássicas, tais como “A pequena loja dos horrores” (60), “Contos de terror” (62), “O homem dos olhos de raio-X”, “O corvo” e “O castelo assombrado” (63), “A máscara da morte vermelha” (64) e “O massacre do dia de São Valentim” (67). Depois salta-se até 1990, com “Frankenstein unbound” (Frankenstein libertado). Entre 1971 e 1990 Corman não dirigiu nenhum filme (fala-se que ele teria co-dirigido dois sem ser creditado, assinando apenas como produtor); em 1990 retorna à direção com “Frankenstein unbound” e “The hauting”, que é uma ampliação de “The terror”, outro clássico dos anos 60 (de 1963, precisamente). Quase todos os filmes que Roger Corman dirigiu, também produziu. Depois de 1971, porém, ele se torna quase exclusivamente produtor. E há muito preconceito contra o chamado “cinema de produtor”.
No entanto RC é um produtor de estilo, suas obras possuem apuro visual, capricho nos cenários, que interagem bem com a ação, e os intérpretes, mesmo quando pouco conhecidos, são interessados e eficientes (a interpretação de Luana Anders em “Dementia 13” é genial).
Uma constante na obra de Corman, porém, é a posição contrária ao sistema norte-americano. Corman mostra uma sociedade corrupta e autoridades constituídas venais e arbitrárias. A CIA é mostrada como uma organização obscura e autoritária. A polícia com frequência é corrupta e violenta. A série de filmes de ação estrelados por Don “The Dragon” Wilson, já nos anos 90, mostra exatamente isso. Em “Bloodfist VIII: Trained to kill” (“No limite da violência”, série “Punho sangrento”) um dos personagens fala: “Na CIA, como na Máfia, ninguém se retira, a não ser que morra”. O personagem central é o Professor Rick Cowan, homem perseguido por um passado incômodo, pois foi agente da CIA e preferiu abandonar essa vida. É outro aspecto nos personagens de Corman: um homem, ou uma mulher, que deseja redimir-se de seu passado.
Esse lado contestador de Roger Corman pode explicar porque, embora tenha ajudado um grande número de nomes do cinema — inclusive Francis Ford Coppola, que é sua cria — ele dificilmente seja mencionado em entrevistas ou declarações. Poucos teriam a coragem de citar RC como um dos grandes do cinema. Para ele a sina será sempre ser chamado o “Rei do Cinema B”, ou seja, uma curiosidade, embora seja muito mais do que isso.
Rio de Janeiro, 13 a 28 de maio de 1998.
Post-scriptum: Uma lenda viva do cinema norte-americano, Roger Corman, hoje com 94 anos, segundo consta ainda trabalha com a produção de filmes. Ele é uma recorrência na minha escrivaninha, onde várias de suas películas foram resenhadas.
Cena de "Carnossauro"