O livro do quase vice (publicado originalmente em 1/5/2021)
Até hoje não foi feito documentário sobre um dos capítulos mais emblemáticos de nossa recente história: a eleição presidencial de 1989. Há estampidos aqui e acolá, com apenas trechos do episódio salpicados com depoimentos frouxos, inconsistentes.
A maior ilustração deve ser 'Muito Além do Cidadão Kane' (1993), onde durante alguns minutos a fita faz referência àquele momento. A memória pode me escapar, mas mesmo livros sobre o específico são escassos.
Teses universitárias, sim, existem aos montes, mas talvez direcionadas ao caminho errado (não li uma, portanto nada posso declarar). Entretanto, acerca dos livros, no fim de 2020 foi lançado um, bastante esclarecedor. Trata-se de 'Sonho Sequestrado', da Editora Matrix.
O autor, o ex-senador e ex-deputado federal Marcondes Gadelha, está um pouco afastado das lembranças dos brasileiros. Porém, se você que gosta de política fizer um esforço, se recordará dele: era o candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Silvio Santos.
Nas páginas de sua obra, o político traça com relevantes apuro e esmero todos os bastidores que levaram à cassação de ambos pelo Tribunal Superior Eleitoral. A alegação foi as tantas irregularidades que sublinhavam o Partido Municipalista Brasileiro (PMB), ao qual a dupla estava filiada (uma delas foi a falta de convenções no número mínimo de Estados - a Justiça pedia 9, o PMB havia feito somente em 4).
Ainda assim, Gadelha revela o que estava por trás daquilo: um plano grandioso que envolveu TV Globo, Folha e o Estado de SP, Jornal do Brasil e, principalmente, Fernando Collor, o maior atingido caso Silvio tivesse êxito na candidatura (em 31/10/89, 15 dias antes do pleito, a chapa Silvio-Gadelha é lançada e, de cara, a pesquisa mostra-a na liderança, com 29% - Collor, que tinha mais de 30%, baixou para 18%).
"Não queriam Silvio candidato de jeito algum. Fizeram de tudo. No julgamento do TSE, a toga substituiu a farda e houve, ao meu ver, eleição indireta", escreveu o ex-senador.
É impressionante como o cinema brasileiro não cuida de sua história ou morre de medo de pô-la na telona. Eis aí a aventura que muito bem poderia dar um roteiro e tanto.