Dois escanteados (publicado originalmente em 17/4/2021)
Vocês que acompanham o Oscar devem se lembrar do evento de 1999. Elia Kazan (1909-2003) foi ao palco a receber a estatueta pelo conjunto da obra.
Ao se postar ao microfone, o que se ouviu foi misto de vaias (que estavam mais fortes - Ed Harris, Nick Nolte e Holly Hunter, por exemplo, cruzaram os braços - Sean Penn, notório esquerdista, foi a público declarar sua oposição à Academia em premiá-lo) e alguns aplausos (um que bateu palmas foi Martin Scorsese).
Ao ver aquilo, não entendi. Rubens Ewald Filho, o eterno guru do Oscar, explicou: Kazan, ex-membro do Partido Comunista do EUA entre 1934-36, denunciou 8 colegas ao Comitê de Investigações de Atividades Antiamericanas em 1952, no Macarthismo.
Defensores dele consideraram absurdo dizer que, pessoalmente, Kazan, que na década de 50 revelou Marlon Brando e James Dean, tenha destruído carreiras: os nomes que forneceu já estavam na 'lista negra'. Outros acreditavam que, ao dedurar, tacitamente apoiou o macarthismo.
Essa 'exclusão' ou 'omissão' de determinados artistas não é novidade por lá, bem como aqui também. O diretor e ator austríaco, e judeu, Erich von Stroheim (1885-1957 - o mordomo da enlouquecida Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson em 'Crepúsculo dos Deuses', 1950), foi outro que penou a conseguir emprego entre os anos 10 e 30 do século passado.
Aos admiradores, era vanguardista, por expor nas telas, nas produções, temas realistas demais à época, como traições e desquites. Ultrapassava orçamentos e tinha de fazer cortes nas longas durações dos trabalhos, o que rendia bate-bocas com produtores.
Dirigiu 'Maridos Cegos' (1919), 'Esposas Ingênuas' (1922), 'Ouro e Maldição' (1924 - obra-prima), 'A Viúva Alegre' (1925) etc. Por conta dos excessos, tanto financeiros como de roteiros que 'não estavam de acordo' com as regras da sociedade, foi escanteado pela classe, o que liquidou sua carreira como diretor.
Entre as décadas de 1940-50, foi convidado a pequenos papéis, como 'esmola', e presenteou o público com atuações sublimes, como em 'Crepúsculo dos Deuses'. Esse tipo de preconceito velado, mudo, é explicado pelo filósofo Olavo de Carvalho: é a tese dos caranguejos no balde. Semana que vem continuo neste tema e trarei exemplos do Brasil.