As confissões de Nelson (publicado originalmente em 13/3/2021)
Peço aos leitores a permissão de deixar o cinema de lado na coluna de hoje para comentar leituras feitas por mim nestes últimos tempos. Em dezembro passado, mais precisamente no dia 21, completou-se 40 anos da morte de Nelson Rodrigues.
Por coincidência ou não, li recentemente todos os livros das suas chamadas 'Confissões': 'A Menina sem Estrela', 'O Óbvio Ululante', 'A Cabra Vadia' e 'O Reacionário'. São centenas e centenas de reflexões sobre tudo: a infância em Pernambuco e no Rio de Janeiro, as tragédias familiares, mulheres, política e o ódio à esquerda e ao marxismo, jornalismo, amizades, enfim.
Nelson retrata nas obras o panorama de sua vida. Aponta o dedo aos que o maltrataram, estende a mão aos que o ajudaram, reverencia mestres (Dostoievski é um) e dilacera tristezas e alegrias mais profundas, bem como traumas que permearam a existência do grande dramaturgo do século 20.
'Em um sarau de grã-finos, sou abordado por um dos decotes presentes, que me pergunta: O senhor é o Nelson Rodrigues, o reacionário? Eis a minha resposta: Sim, sou Nelson Rodrigues, o reacionário'. Este trecho, que mistura pitadas de ironia, sarcasmo, com salpicadas de comiseração e auto piedade falsa, demonstra que o autor de 'Vestido de Noiva' não estava para brincadeira quando começou a publicar nos jornais cariocas estas confissões, na década de 1960.
Nelson chega a revelar, por exemplo, que era carente de elogios ao começar a carreira teatral e implorou a amigos que escrevessem artigos onde o colocavam no topo do pódio dos escritores. 'Havia dias em que eu mesmo escrevia e ia perguntando se eles queriam assinar'.
Os deboches aos discursos politicamente corretos de Dom Hélder Câmara eram alvos prediletos, que expunha contradições do religioso e o indagava se Câmara de fato se preocupava com os pobres do Brasil. Há quase 30 anos, em 1992, Ruy Castro publicou 'O Anjo Pornográfico', a biografia de NR, e o resgatou ao cenário tupiniquim.
Descobri Nelson aos 17, em 1999, ao assistir ao programa 'Vox Populi' que a TV Cultura reprisou na época das comemorações dos 30 anos da emissora. Nunca mais o abandonei. Uma das primeiras atitudes que tive foi ler exatamente 'O Anjo Pornográfico'.