O ceticismo dos sádicos (publicado originalmente em 6/2/2021)
Suécia, meados do século 19. A trupe do mágico Albert Vogler vai a uma cidadezinha para se apresentar e 'recomeçar' a carreira. Estão fugindo da polícia norueguesa (isso só é sabido depois). Viajam num coche.
No traslado, lamúrias e pequenas constatações sobre a existência e a esperteza. De repente, ouvem-se gritos. É um ator doente, abandonado, prestes a morrer. Ao chegarem, um grupo de céticos está à espera e deseja interrogá-los com o objetivo de desmascarar o líder.
Sim, esta é mais uma coluna sobre Ingmar Bergman e suas fitas ambíguas, dilacerantes. No caso, 'O Rosto' (1958). O elenco tem a patota predileta do diretor: Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Äke Fridell, Max von Sydow, e as belas atrizes-musas Bibi Andersson, Ingrid Thulin e Birgitta Pettersson.
Bergman também escreveu o roteiro e nos mostra o quão sádico o ser humano pode ser quando aspira humilhar alguém. Gunnar é Vergerus, ministro da Saúde local. É por meio dele que descobriremos se a equipe de artistas está ou não vacilando na atitude de representar.
Max, na pele do chefe Vogler, está magnífico como sempre. O espectador nota que há algo de estranho em seu comportamento. Afinal, para que barbas e cabelos falsos, pergunta um dos inquisidores. Ingrid é mr. Aman, 'parceiro' do mágico nas encenações, e também esconde um segredo.
Bergman usa a metalinguagem na película. 'O Rosto' pode ser caracterizado como filme de terror, mas é mais do que isso. Charlatanismo, religiosidade, temeridade e sagacidade estão na pauta da trama.
Vogler é interrogado, testado e tentado a usar suas artimanhas a ludibriar os perguntadores. A partir daí o longa-metragem caminha. O cineasta envereda por histórias paralelas, como a das criadas medrosas e fanáticas pela 'poção do amor' dada por um dos integrantes da trupe.
Porém, o jogo de Vogler continua. Até onde vai a credibilidade do artista? O cenário lúgubre, apimentado pela excelente direção de arte, dá o tom do horror do ambiente ameaçador. É mais ou menos o mesmo artifício que o diretor sueco usaria 11 anos depois, em 1969, no filme 'O Rito', quando um grupo de artistas é confrontado por sua peça de teatro ser 'ousada demais'. Duração: 101 minutos. Cotação: ótimo.