Bergman no pós-guerra (publicado originalmente em 23/1/2021)
Começo o ano com um dos mais belos filmes de Ingmar Bergman: 'Chove no Nosso Amor' (1946). Disponível na íntegra no youtube, o drama mostra duas figuras azaradas: David (Birger Malmsten) e Maggi (Barbro Kollberg). Ele foi preso.
Na liberdade condicional, tenta recomeçar a vida e quer algum biscate. Ela deseja ser atriz, mas engravidou de um desconhecido e teve de fugir à cidade do interior para aspirar a segunda chance. De repente, os 2 trombam na estação de trem, em um dia de chuva forte.
Passam a noite juntos e têm o desejo de retomar a existência. A dupla, no roteiro baseado na peça de teatro 'Brava Gente', do norueguês Oskar Braaten, representa tudo o que a sociedade da época rejeitava.
No entanto, mesmo quando são vítimas de espertalhões, a consequência é a acusação sobre eles de roubo e a expulsão do bangalô onde vivem - David chega a comprar a moradia, mas é enganado pelo senhorio, pois o terreno será apropriado pela prefeitura para construir casas populares e o casebre é pré-fabricado, e o dono o leva a vários lugares onde aplica golpes.
No meio das desgraças, o casal é corriqueiramente auxiliado pelo personagem que narra a história, o tal Homem do Guarda-chuva do título da coluna (Gösta Cederlund), espécie de anjo com auto ironia e comiseração. 'Chove no Nosso Amor' é o 2º longa-metragem de Bergman, que assina apenas uma das cenas do script, a do julgamento final.
Não à toa, é nela que reside o linguajar afiado e moralmente religioso que permearia toda a trajetória do cineasta. Cederlund surge como advogado substituto e defende os protagonistas. Relevante dado curioso é a participação do ator Gunnar Björnstrand, a 1ª de tantas dele em filmes bergmanianos, como o funcionário público Purman, encarregado de despejar David e Maggi.
Purman termina por levar pontapés e socos de David e assim o julgamento é provocado. Toques de neorrealismo estão presentes na fita, bem como diferenças sociais e medos do pós-guerra, onde praticamente todos estavam perdidos, com receio de que o conflito bélico voltasse a qualquer momento. Trata-se de um Bergman antes dos 30 anos, portanto, meio cru e recolhendo inspirações à carreira. Duração: 95 minutos. Cotação: bom.