Cinema: modo de fazer (publicado originalmente em 5/9/2020)
Em 2001, Eduardo Coutinho (1933-2014) encontrou no Edifício Master o local para realizar o próximo trabalho: o documentário que mostraria diferentes faces dos moradores.
Como se sabe, o longa-metragem foi lançado em 2002 e até hoje é referência de filmagem, característica comum pela qualidade cotidianamente esbanjada por Coutinho em suas produções.
Ao mesmo tempo em que labutava e quebrava a cabeça para confeccionar o filme, a cineasta Beth Formaggini, uma das auxiliares do documentarista em 'Edifício Master', aproveitou para filmá-lo. As imagens se transformaram em outro produto: 'Apartamento 608: Coutinho.doc', em parceria com o Canal Brasil.
São momentos únicos de Coutinho e o seu modo de fazer cinema: as dúvidas, as tensões, as discussões, as trocas de ideias, as fraquezas, a quase desistência, enfim, tudo está captado pelas lentes de Beth. Por exemplo: com apenas 6 dias de filmagens, ele já demonstrava o desejo de abandonar o projeto - 'Não vai dar. Os depoimentos são fracos e não achamos nada de importante', diz.
'O que fazer? Vamos ligar pro João e falar que desistimos? Vamos devolver o dinheiro pra ele?'. No caso, o João citado é o Moreira Sales, também cineasta e o produtor de 'Edifício Master' com sua empresa VideoFilmes.
Nos debates com a equipe, Coutinho se fazia de vítima para ouvir os argumentos dos colegas. Geralmente se convencia. O plano para filmar o tal prédio foi bem simples: alugar um apartamento (o 608) e durante alguns dias descobrir personagens que 'tinham algo a dizer'. 'São pessoas comuns que têm histórias comuns.
Não adianta ficar fazendo perguntas bobas a elas', analisa Coutinho, que em um bar dá uma dica valiosa: 'Não se deve por artigo em título de filme. Tem que ser seco, na lata'. Neste mesmo dia, especulou-se um outro nome ao documentário em andamento: 'Conjugado'.
'É uma palavra ótima, porque engloba várias coisas. Gostei dela', comemora o diretor. 'Apartamento 608' foi de certa forma a homenagem necessária a um homem que viveu o cinema em película durante toda a vida. Coutinho não ligava para o pensamento alheiro.
A partir da década de 1980 tinha somente um pensamento na cuca: explorar o ser humano em seus sonhos, opiniões, delírios e emoções. Pôs a câmera para gravar faxineiras, empresários, desempregados, sindicalistas, cantores, atores, depressivos, felizes, trágicos etc. O interesse por obras de ficção estava próximo ao zero. Coutinho era teimoso, no bom sentido. Duração: 68 minutos. Cotação: ótimo.