Um bem à alma (publicado originalmente em 22/8/2020)
Dos 5 indicados a ator coadjuvante no Oscar 2020 o meu predileto era Tom Hanks por 'Um Lindo Dia na Vizinhança' (2019). É mais uma cinebiografia, desta vez a de Fred Rogers (1928-2003), famoso apresentador de programa infantil cujo nome é o título do filme.
Este programa foi sucesso nos EUA durante mais de 30 anos, entre 1968 e 2001 e trazia às crianças histórias de superação e brincadeiras com bonecos. O filme foi baseado no artigo da revista Esquire de 1998 sobre Rogers intitulado 'Você pode ser um herói?', escrito pelo jornalista Tom Junod.
A diretora Marielle Heller pegou esse texto e transformou Junod em personagem, cujo nome é Lloyd Vogel (Matthew Rhys, da série de TV 'The Americans'). De reputação maculada por suas obras críticas e sobre tragédias, o jornalista é enviado para trabalhar no perfil de Rogers (Hanks), sujeito totalmente diferente dele: de família sólida, religioso e aparentemente sem problemas.
Será mesmo? O desafio de Vogel é encontrar manchas naquele homem inspirador e ídolo de gerações. 'Não é possível que ele não tenha nada que o desabone', diz Vogel à esposa Andrea (Susan Watson). Se a vida de Rogers parece um mar de rosas, a do jornalista é uma estrada esburacada.
Perdeu a mãe na adolescência e tem no pai, Jerry (Cris Cooper), o mais vilão que imagina. Bastam 2 minutos de conversa para que eles entrem nos sopapos. A proposta de Heller é dar ao público um pouco da rotina de ambos - Rogers e Vogel.
O formato de tela quando é exibido o programa de TV muda, assim como o estilo de imagem, por exemplo. E Hanks dá um show como o pastor evangélico líder da garotada. A fala mansa, o olhar circunspecto, os gestos serenos, o carisma expansivo, enfim, tudo se soma e faz com que gostemos de Rogers e seu 'Um Lindo Dia na Vizinhança'.
O script tem tons de onirismo e às vezes coloca o espectador contra a parede emocionalmente falando: tem sensibilidade fora do comum, mesmo não sendo a obra-prima que a diretora pretendia. Ao abordar a bondade humana, nós nem precisamos saber quem foi o Mr. Rogers da atração televisiva.
Basta que nos entreguemos à vontade dos personagens e compreenda-os em suas falhas e virtudes. E a ideia da produção de ilustrar a cidade e as ruas com estradas e casas formadas pelo sistema de 'stop motion' foi das mais simpáticas, para não dizer carinhosa. Vejam e deleitem-se. 'Um Lindo Dia na Vizinhança' faz bem à alma. Duração: 108 minutos. Cotação: ótimo.