Fácil e fraco (publicado originalmente em 15/8/2020)
Alguns reclamaram de apenas uma negra ter sido indicada a melhor atriz e de nenhuma mulher estar entre os finalistas de diretor. Bobagem. Esse desejo de querer 'lacrar' a qualquer custo já encheu.
Estão ali os melhores e ponto final. Falar em 'cota' no Oscar é tão absurdo como querer cota em qualquer outro tipo de premiação. Em 'Harriet' (2019), Cynthia Erivo dá vida à personagem-título (1822-1913), a ex-escrava que se tornou líder abolicionista e representante da liberdade de dezenas de escravos nos EUA, conhecida também como 'Moisés', por abrir o caminho para que esses presos ficassem livres.
O longa foi indicado também a Canção Original, com a música 'Stand Up', interpretada por Cynthia. A cinebiografia tem seus méritos, dentre eles, claro, o trabalho da atriz, e a direção segura de Kasi Lemmons (para quem não se lembra dela, Kasi era a melhor amiga de Jody Foster em 'O Silêncio dos Inocentes', 1991), que consegue deixar regular a trama de temática difícil.
Harriet tinha um lema na vida: 'Liberdade ou Morte', e o seguiu ao longo de sua existência. Em vários momentos quase morreu e se arriscou em outros tantos.
O problema da fita é jogar ao espectador a tarefa de compreender o 'sobrenatural', digamos assim. Isto porque a protagonista age conforme 'avisos de Deus', segundo ela. Ao pegar este gancho, Lemmons, que também assina o roteiro, facilita sobremaneira a produção.
Quando surgem os dilemas, os problemas, as dificuldades, Harriet para um instante, respira fundo, dá a impressão de receber os avisos divinos e avança. O lado sobrenatural da moça, portanto, dá o tom do filme e isto o prejudica.
A diretora transforma a vida da ex-escrava num conto de mitologia, como se ela fosse uma santa. Pode até ter sido realmente, mas a alusão às vezes parece forçação de barra. Harriet se destacou na Guerra de Secessão, na década de 1860, e querer que o público entenda a época demanda determinadas sequências didáticas, que na película ocorrem raramente.
Quando você assistir a 'Harriet', tente ver depois 'Lincoln' (2012), com Daniel Day-Lewis. É um complemento satisfatório. Lemmons parece ter ficado tão empolgada em dirigir a fita que coloca Harriet num pedestal mais alto do que qualquer coisa.
A relevância da personagem fala por si só e o papel da cineasta era moldá-la de um jeito que facilitasse a nós. Todavia, Lemmons preferiu a estrada mais fácil - como escrevi antes, solucionou quase tudo com os supostos milagres. Duração: 125 minutos. Cotação: regular.