NOSFERATU: PHAMTOM DER NATCH (1979) dir. Wagner Herzog

Não pretendo com esse texto realizar uma crítica ou uma análise de extremo detalhamento sobre essa obra, não me sinto capacitado para tal empreitada. Procuro somente tecer comentários e impressões que tive ao assistir pela primeira vez esse representante interessantíssimo do Cinema Novo Alemão.

Baseada no filme expressionista alemão de 1922 Nosferatu: Eine Symphonie des Grauens de F. W. Marnau que por sua vez é baseado no romance gótico Drácula do escritor irlandês Bram Stoker, a versão de Herzog disserta sobre temas muito mais profundos do que somente a marca visual impressionante do diretor que, apesar de recriar diversos planos do longa original, expande consideravelmente a visão do espectador sobre o vampirismo em si.

Em uma sinopse básica, o longa acompanha a história de Jonathan Harker, um agente imobiliário incumbido da missão de vender uma propriedade na cidade portuária de Winsmar, Alemanha, ao Conde Drácula, um nobre que reside na região dos Cárpatos. Para tanto, ele deve abandonar temporariamente sua jovem esposa Lucy e rumar para o castelo do Conde que, por acaso é um vampiro milenar.

Diferente de outras adaptações anteriores do romance (inclusive do longa de 1922), aqui Drácula é tratado muito mais como uma figura trágica, fúnebre e amaldiçoada em oposto ao mal encarnado, a criatura hedionda, devassa e degenerada como era comumente era interpretado. O roteiro e a atuação indelével de Klaus Kinski dão uma enorme tridimensionalidade ao personagem e, por diversas vezes interpretamos seus atos como selvagens e instintivos, como se a disseminação da praga e do mal fossem um destino inevitável enquanto tal criatura da noite caminhar sobre a terra.

Como mencionei acima, o deslumbre visual que a obra imprime no espectador é indiscutível destacando-se o uso preciso e minimalista da paleta de cores, a contra luz e a escuridão desoladora de diversos planos usados como contraponto dramático, a maquiagem, as sequências que reproduzem a atmosfera de um sonho lúcido, os cenários ricamente ornados mas que em momento algum desviam o foco da trama, as paisagens exuberantes, e as performances que intencionalmente flertam com a teatralidade.

Muitas metáforas podem ser tecidas em relação ao foco excessivo que a trama dá a correlação do vampiro com a praga. O próprio filme mudo de 1922 reproduz um discurso anti-semita, traçando paralelos entre a presença destrutiva do Conde Orlok (devido a direitos autorais, os nomes dos personagens são alterados nessa versão) com a presença dos judeus na Alemanha e comparando-os a ratos (como eram pejorativamente referidos naquele período). Não acredito que o filme de 1979 perpetue esse pensamento, ao contrário ele o condena e alerta aos perigos de uma eventual volta do regime nazista, mostrando como uma cidade, um estado ou um país podem ser desolados pela influência (nesse caso sobrenatural) de um líder inescrupuloso. Faz também criticas bem humoradas sobre como a justiça pode ser cega quando feita exclusivamente sobre a letra fria da lei, na cena da prisão do Dr. Van Helsing.

O longa contém também referências religiosas muito agudas, com diversas anedotas visuais e de roteiro para passagens bíblicas, com destaque para a cena onde os moradores já infectados pela praga convidam Lucy para uma última ceia antes da concretização de seus terríveis destinos.

Vale ressaltar que existem duas versões do filme, uma filmada em alemão e outra filmada em inglês (as cenas foram filmadas nos dois idiomas, sendo os atores fluentes em ambos) que pouco diferem uma da outra. A trilha sonora fica a cargo da banda de Krautrock Popol Vuh, que passeia entre momentos calmos e contemplativos quando retrata a vida campestre e a rotina dos personagens de Jonathan e Lucy, e virulentos/sombrios quando anunciam o completo caos emanado pelo personagem principal.

É uma pena que esse longa não seja tão comentado e discutido, pois acredito que a maioria das pessoas o interpreta com demasiada literalidade e somente como um remake do clássico. Contribuam para a discussão nos comentários.

Bons sustos.

Antônio Spiassi Mendes
Enviado por Antônio Spiassi Mendes em 07/07/2020
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