GLADIATOR (2000) dir. Ridley Scott
O ato de se produzir um épico histórico exige de seus realizadores, dentre muitas outras virtudes, a competência da concisão. Concisão em saber escolher a dedo os momentos de opulência e verossimilhança portentosa e, em paralelo, dar espaço a adaptações e sínteses que adicionem dinamismo sem que, contudo, soem rasas ao espectador. O ritmo dentro desse tipo de narrativa assume um caráter de importância sobrenatural e aqui, o diretor parece conhecer a rigor esta técnica.
Os primeiros 40 minutos de projeção apresentam-nos o tom que regerá toda a narrativa subsequente, definem-se em poucas cenas a ordem e o caos inerentes ao Império Romano. O caos vem pelas sangrentas mãos da guerra e pela glória idílica da conquista e expansão, sendo a montagem intencionalmente desordenada e violenta, a fim de associar o exército romano, muitas vezes representado como perfeito em termos de organização, diretamente com essas características. Já a ordem advém das constantes exposições do pensamento filosófico romano, idealizado por essência, que encontra deliciosa fluidez na figura do imperador Marco Aurélio e em suas interações com os personagens de Maximus e Commodus. O discurso é utópico e simplista mas esses aspectos não se originam da perspectiva ou da incapacidade dos roteiristas, pelo contrário, surgem do entendimento ideologizado que os romanos tinham de si próprios e funcionam como ensinamentos políticos atemporais.
Vivido pelo ator Richard Harris em mais uma de suas inúmeras atuações magnéticas, o Imperador Filósofo é retratado como uma figura frágil, um tanto insegura quanto ao caráter de suas próprias realizações como homem e governante; em oposição, temos a figura de Commodus que ambiciona não só o poder, mas principalmente a admiração do pai, desvirtuando-se lentamente até a sua derradeira derrocada rumo à tirania. Maximus Decimus Meridius, destinado a atravessar a árdua jornada do herói trágico manifesta-se, em um primeiro momento, como a espada e a venda da justiça, honrado e inflexível, querendo somente terminar seus serviços e retornar para sua família.
O filme em sua totalidade orienta-se muito bem como uma alegoria à própria industria do entretenimento, da qual ele faz parte, e critica, de maneira sutil, os perigos da alienação que um cinema pobre em conteúdo pode promover. Essa metáfora por certas vezes pronuncia-se diretamente na primeira camada, nos diálogos e indagações dos personagens, com uma eloquência quase teatral, apesar de nunca adentrar os domínios da caricatura e da canastrice. Os personagens principais são imensamente carismáticos e seus atores parecem muito confortáveis em vivê-los na tela, entregando performances empolgantes.
Apesar de desenvolver-se majoritariamente como uma trama de vingança, os personagens de Maximus (Russel Crowe) e Commodus (Joaquin Phoenix) desenvolvem nuances particulares durante o curso dos fatos. Maximus experimenta o amargor de vivenciar a cidade, que em sua cabeça assumia um aspecto mítico, pelo pior lado possível, o lado dos cidadãos marginalizados, cidadãos esses cujos povos o general já havia enfrentado e dizimado em suas campanhas passadas. Já Commodus é confrontado com os dissabores do poder que tanto almejou, e com os jogos do Coliseu busca se abstrair mentalmente da política tradicional, da qual não tem domínio algum, ao mesmo tempo que instaura uma politica deficitária, ainda que populista.
No que tange aos aspectos técnicos, a película é suntuosa. A direção de arte e os figurinos são extremamente fidedignos ao período mas carregam em si uma pequena dose de estilização; a fotografia passeia entre o minimalismo e o que há de mais esplendoroso na linguagem cinematográfica, funcionando tanto nas cenas de batalha visualmente intrincadas quanto nos tensos diálogos e confrontamentos morais/ideológicos; acredito que certas partes da trilha sonora de Hans Zimmer e das canções de Lisa Gerrard envelheceram melhor do que outras, o conjunto é positivo mas algumas partes soam um pouco cafonas e deslocadas.
Certas coincidências e ações injustificavelmente impensadas e ingênuas de determinados personagens tiveram de ser relevadas para o desenvolvimento da trama, porém esses pequenos equívocos não atrapalham em nada a experiência cinematográfica.
Sem dúvida, esse filme se projeta como o maior expoente da última safra de grandes produções do subgênero épico histórico, visto que são filmes de confecção extremamente cara e minuciosa, e que os investimentos do cinema atual migraram para outros subgêneros. Resta à nós torcer para que mais períodos históricos da antiguidade sejam tão bem adaptados para o cinema, pois esses filmes são extremamente importantes para a formação cultural da nossa sociedade e são fontes de entretenimento igualmente essenciais.