Um saco de balas (publicado originalmente em 30/5/2020)
O lirismo impregnado em 'Jojo Rabbit' (2019) lembra um conto-de-fadas meio cor-de-rosa, mas recheado com inspirações poderosas, como o cinema de Wes Anderson, o ganhador de Oscar 'A Vida é Bela' (1998) e 'O Grande Ditador' (1940). Não é exagero.
Por seu figurino e direção de arte multicolorido, o óbvio é associar o longa a um saco de balas sortidas, daquelas bem doces, que as crianças enfiam goela abaixo de 3 em 3 e não param de mastigar.
Na trama, Jojo (Roman Griffin Davis) é o garoto de 10 anos fanático por Adolf Hitler (Taika Waititi). Mora com a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), e descobre que ela esconde no porão de casa uma menina judia, Elsa (Thomasin McKenzie).
Apavorado com a surpresa - Jojo considera judeus uns monstros todos deformados - ele resolve investigar sobre a vida destes 'seres impróprios'. Adolf é seu amigo imaginário e lhe dá conselhos sobre coragem e luta.
Com o rosto machucado após um acidente, o garoto aos poucos se convence que Elsa pode ser sua amiga e confidente. Para existir esta troca, a moça também deve colaborar e o medo de que o novo amigo a denuncie a assusta. 'Jojo Rabbit' tem características singelas: faz o espectador grudar na tela aficionado pela ingenuidade e rabugice do protagonista.
Aliás, Davis só ficou de fora da categoria de Melhor Ator do Oscar 2020 por preconceito contra a idade. Nos quase 100 anos de troféu, a Academia jamais indicou neste quesito um ator tão jovem e nao seria agora. Waititi dirigiu, roteirizou e produziu a fita, além de dar ao líder nazista aspectos de um comandante de novela mexicana.
É outra atuação digna de aplausos. Indicada a coadjuvante, Johansson é ponto nevrálgico de 'Jojo Rabbit' - por meio dela é que as demais personagens transitam e ela se sai bem no papel - o carisma a salva de qualquer coisa. Sam Rockwell faz participação especial como chefe de recreação de um grupo de mininazistas ávidos por aprender as técnicas de guerrilha: como atirar as granadas nos inimigos, por exemplo.
Ao misturar humor e tragédia, Waititi não reinventa a roda, mas nos dá a impressão de querer mostrar que sabe trabalhar. E consegue.
As sequências nas quais contracena com Davis são de longe as melhores do filme e, ao parecer que sabe disso, o cineasta as explora até o último grau, extraindo do ator-mirim momentos hilariantes, como quando o pequeno lhe pede para parar de oferecer cigarros a ele. "Ainda sou criança!". Duração: 108 minutos. Cotação: ótimo.