O poço

O poço

Meu embaraço para o filme

Abenon Menegassi

“Lá vai o Estevão, sem metafísica...come chocolates pequena, come chocolates. Olha que não há mais metafísica no mundo que comer chocolates..., mas eu penso e ao pensar deito tudo por terra...e fico em casa sem camisa...” (Fernando Pessoa, Tabacaria)

"Perca toda a esperança ao entrar aqui".

(Frase escrita na porta do inferno. Dante Alighieri. A Divina Comédia)

"Ah! A marca na parede -, era um caramujo!

(Virginia Woolf. A marca na parede).

O filme é O poço.

No original espanhol, El Hoyo.

Direção de Galder Gaztelu-Urrutia.

Roteiro de David Desola e Pedro Rivero.

Espanha, 2020.

Outras traduções possíveis para Hoyo são:

“buraco”, “vala”, “trincheira”, “cova”.

Todas cairiam bem.

A metáfora é de Lacan.

Trata-se de uma flor.

A função da flor é se multiplicar.

À contraparte, tem sido feito muito mel.

já que a corola faz sentido na colmeia.

O enxame se alvoroça no vetor de néctar.

De quebra faz-se a polinização.

Os sentidos, portanto, pululam tanto quanto são os interlocutores a falar.

Por esse motivo o filme é, antes de tudo, uma ironia.

Tenho colhido esses favos. Todos plenos.

Mas, o que é mesmo um poço?

Como qualquer outro buraco,

É um espaço diante do qual todo vivente se detém.

Não é por qualquer motivo besta que se decide entrar em um.

Tem que ter mel lá dentro, e muito.

Ou, para a abelha, néctar ou pólen.

- Qual a função da abelha, talvez florir o mundo? -,

E não qualquer um; deve ser de boa qualidade...

Boas metáforas, bons pólens.

E boas metáforas extraídas de bons pólens existem à beça.

“Abelha fazendo mel vale o tempo que não voou..”, diriam,

E o caracol se arrastando?

Trabalhar é preciso..., também.

Que disso resulte o discurso e a cultura, eis o que se deve respeitar

Sob risco e pena de extinguir a espécie.

Entremos no poço.

Já à porta, o que vemos?

Civilização e barbárie de mãos dadas num ritual macabro.

O sublime da cultura lado a lado com as facas afiadas

Agindo sobre os corpos em exposição.

Biopolítica da matança generalizada sim, mas com requinte.

Que seja de crueldade e de sublimação,

O que não se pode dizer é que sejam excludentes.

Demonstram-no os trens chegando dos guetos da Polônia

Recebidos sob os violinos de Chopin.

Tudo meticulosamente pensado, executado, saboreado à exaustão.

Colaboradores aplicados é o que não falta.

Um passo a mais.

Descendo...

A verticalidade panóptica se abre diante dos olhos.

Muita luz, pouca luz e as pupilas se dilatam na proporção.

É a estrutura.

Há muito pólen aqui.

Começa a produção do mel.

É isso, é aquilo.

Vai por aqui, vai por ali.

Sobe, desce.

E a saída Alice?

É o sexo, é o sexo,

Jesus, napoleão, socrates, maome, ...

Velho testamento, novo testamento,

Capitalismo, comunismo,

Igreja, religião,

Cristianismo, judaísmo,

Metafísica,

Passado, presente, futuro,

Hegel, marx, ..., até Nietzsche.

Kant, máxima universal.

Sartre e o outro.

Você consegue?

Panacota, terracota,

Whatsapp, facebook,

Internet, condominions

Política, economia,

Imigrante, cidadão,

pandemia

Maquiavel: fortuna e virtú.

Faca máximo plus, essa constante da história, da barbárie,

Que quanto mais se usa, mais afiada fica e

Que se afia enquanto decepa.

É que nela os bons se fiam.

Faltou dizer que se retroalimenta

Enquanto funciona sozinha.

O bife da perna direita é o que nos une

Homem moderno,

Sr. dom quixote.

É o sexo, é o sexo.

Arrre! Quanto pólen, quanto mel!!!

E Freud?

Um passo a mais, senhores!

Descendo...!

De que discurso se trata?

Lacan já o disse: 3 + 1.

Quem não acredita, vai lá ver.

Por sorte há deslizamentos, e não ruptura, entre eles.

Da psicanálise aos mestres e, daí, de volta ao futuro,

eis um giro do qual há que se fartar.

Esse exercício talvez mostrasse que

Uma panacota é só uma panacota

Puro significante.

Assim como “faca”, “criança”, “portador” e o raio...

Prá encurtar:

Niilísmo puro,

Não há mensagem.

Pelo simples fato de que, no poço, não há receptor;

Na cadeia significante não há abelha rainha.

Se isso coagula é pelo estômago, nada mais.

A fome não tem interlocutor.

Não conhece solidariedade ex-pontânea;

Com x mesmo.

É comer ou ser comido

Ser portador é ridículo!

Se no poço não há receptor,

Então, não há mensagem!

Alto lá, carteiros!

Não há esperança na retroação significativa.

Sem efeito morrer na cruz.

O niilismo é o excesso de mel.

Não há ninguém no fundo do poço

Que possa escutar.

O poço é circular.

É a visão do horror.

Administrar o discurso não quer dizer nada.

Administradores são elos da cadeia

Prisioneiros com louvor,

Caracóis...especializados...

O poço.

Metáforas fazem o poço funcionar.

O real é sem semblante.

A saída é o próprio poço.

O poço é o vazio.

Em certo ponto decide-se não falar;

Bartleby?

Estaria aí a saída para romper o mecanismo?

Um passo a mais e o autismo é a política.

E o autista tem razão.

Prá que tanto néctar?

Prá que tanto pólen?

Prá que tanto mel?

Os portadores, então?

O cão,

Os animais mortos,

Os corpos sem vida,

E sem recepção.

O homem é o vírus do homem!

E do céu, e da terra.

Nas mesas..., nos campos de batalha..., nas fábricas...,

Nas câmaras de Ziklon B, nos fornos...nas valas comuns

ou nas cinzas nos fundos dos rios.

Sim, o homem é o vírus!

Se há mensagem, há esperança.

Mas, e se não houver qualquer teleologia da comunicação?

Se não houver ninguém lá, esperando a mensagem?

Carta indigesta!

Come o pudim senão estraga,

Nada há mais.

A mensagem é ter ouvidos prá ouvir.

Mesmo que não haja a voz.

O poço é a cova, a História.

E a História é sem fim.

Marca na parede do tempo,

É o poço...

Não é óbvio, caracol?

10/04/2020SP