Metáforas em buracos (publicado originalmente em 15/2/2020)
A surpresa foi zero quando se anunciou que 'Parasita' (2019) venceu o Oscar de filme estrangeiro. Mas a surpresa foi de zero a mil quando foram anunciados os outros 3 prêmios - Filme, Diretor e Roteiro Original.
Barbada e torpor à parte, é bom que se diga que hoje a sétima arte se escora em roteiros cuja crítica ao capitalismo é o item primordial à ovação.
'Parasita' mostra que 'para se dar bem na vida' às vezes é necessário dar um golpe aqui e ali, ou se sujeitar a trambiques que podem prejudicar 'A' ou 'B' porque a inveja corrói quem, nas palavras dos defensores da causa, 'não teve chances na vida'.
Esses dias ouvi a velha expressão que representa a 'revolução': 'Opressores X oprimidos'. Tive vontade de vomitar. O longa, da Coreia do Sul, é dirigido por Bong Joon Ho, que escreveu o roteiro: a família Kim, composta por 4 elementos - pai, mãe e o casal de filhos - está desempregada e mora num apartamento que parece um porão habitável.
Vivem de biscates, como arrumar caixas de papelão para pizzas, e celebram pequenas vitórias. Quando o filho, por acaso, recebe proposta de trabalho de lecionar inglês a uma família rica, os Park, os Kim se veem diante da chance de se erguer socialmente, mas por meio de sucessivos golpes.
Bong tem a preocupação de ilustrar e justificar ações dos personagens jogando no ar frases irônicas e sequências que misturam humor e suspense. A mansão dos Park, por exemplo, foi projetada por um arquiteto famoso, e o pilar da casa é um empresário de tecnologia.
A relação com o buraco onde moram os Kim e a figura do pai, que se acha esperto, é espécie de espelho de iniciativas. 'Que metafórico!', costuma balbuciar Ki-woo, filho de Kim, a cada surpresa que se apresenta.
Tudo gira em torno da regularidade dos Park, que por terem 'a vida ganha' são vítimas dos trapaceiros que estão em volta. Para simplificar, Bong deseja que o público reflita que os ricos são culpados pelos azares de seus 'oponentes'?
Os abastados moram no alto. Os pobres moram debaixo do chão. Ora bolas! Essas alegorias me cansam. Bong disse em seu discurso no Globo de Ouro: 'Quando vocês [americanos] ultrapassarem a barreira das legendas, descobrirão filmes incríveis. A nossa língua é o cinema'. Ele está certo aí. E já começou. Duração: 132 minutos. Cotação: bom.