Nightflyeer
A série de 2018, dirigida por Jeff Buhler, disponível pela Netflix, é baseada em um livro de George R. R. Martin, do mesmo nome, de 1980. Quem esperava o originalidade de Game of Thrones, série produzida pela HBO, do mesmo autor, ficará decepcionado.
Basicamente, o filme se passa em uma nave espacial que vai ao encontro de uma possível vida extraterrestre em busca de contato e de esperanças quanto aos problemas da Terra.
A ficção que se passa no espaço é uma colagem de vários filmes sobre este tema. Basicamente é uma releitura de "2001, uma Odisseia no Espaço", com colagens de cenas e insights do "Iluminado", "Interestelar", "Alien" e outros mais que não me recordo o nome.
Não que a obra tenha que ser pura, ninguém precisa inventar a roda toda vez que escrever um livro ou um filme, influências são muitas vezes inconscientes e inevitáveis e não necessariamente um problema. Não pra dizer que a série é um plágio, pois não são "citações" grosseiras, como ocorre em muitos níveis de baixa qualidade.
Também não é uma série mal produzida, em termos de fotografia, efeitos especiais e uso de recursos típicos de filmes de terror espacial. Porém ela não entrega nada de próprio, não é uma série que apresente algo que não tenha sido pensado por outros. Não há insights ou perspectivas inusitadas ou profundas sobre alguma coisa.
Quem gosta de curtir alguns sustos e suspenses sem pretensão de encontrar grandes sacadas ou novidades, vai assistir sem muitas frustrações.
Quanto ao livro, confesso que não li. Mas acredito que tenha seus insights, assim como Bird Box. Este filmado por Susanne Bier, 2018, não conseguiu expressar no filme as questões mais existenciais do livro. Esta diretora é inclusive ganhadora de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, por Hævnen, de 2010.
Se o público em geral tivesse a mesma atenção com diretores como tem com autores e atores, creio que as coisas melhorariam um pouco em termos de produção. O público mediano não consegue ver o filme como uma obra autoral, sendo o diretor ou não, o responsável pelo roteiro. Falta ver autoria, sensibilidade e inteligência como característica expressas em como se constrói um filme.
É injusto condenar George R R Martin pelo fracasso da série, por que ele mesmo não pode participar da produção diretamente, devido ao seu contrato com HBO com Game of Thrones. E como eu falei, uma direção comercial pode levar uma obra sobre Sartre se reduzir a sua vida amorosa com Simone de Bevouir e colocar sua filosofia em segundo plano.
Como feito em A Teoria de Tudo (direção de James Marsh), de 2014, vemos uma trama sobre a vida de Sthephen Hawkin, problemas familiares, sua obstinação, etc. Sobre seus pensamentos, infelizmente o diretor não soube nos introduzir aos mesmos, e focou sobre questões pessoais de quem dedicou sua vida as suas indagações astronômicas.
O filme foi premiado com Oscar de Melhor filme e roteiro adaptado, por que soube fazer uma escolha e se aventurar somente no que dava conta: um filme inteligível para o grande público, deixando questões mais complexas para serem tratadas em segundo plano.
Diretores com domínio técnico e aqueles que fazem do cinema uma obra prima se diferenciam basicamente falta ou excesso de dinheiro ou pela genialidade.
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Para quem gosta de criticar o cinema brasileiro, recomendo comparar o orçamento e tecnologias que dispõe qualquer produçãozinha mediana e as que dispõem as brasileiras.
Efeitos especiais e ação dependem de grandes investimentos e geralmente é isto que atraem o público médio em grandes quantidades para dentro do cinema. Onde a indústria cinematográfica não conta com tantos recursos é preciso explorar outros terrenos, nem sempre muito procurados pelo público.
Das discussões que remontam as do Cinema Novo, da década de 60, tiramos as mesmas lições para os dias de hoje: o cinema precisa falar do Brasil e de coisas brasileiras, o que os estrangeiros não fazem, e as pessoas precisam ir ao cinema para se verem ali representadas como brasileiras.
Temos que ser realistas, sabemos como é a vida de um escritor de ficção aqui no Brasil. Tem editoras grandes que não aceitam nem analisar obras de ficção e outras só analisam as voltadas para adolescentes. Aí você vê estas mesmas editoras publicando best-sellers já consagrado lá fora.
Sem uma carreira estruturada, digo lugares e oportunidades para escritores inteligentes e criativos, a tendência é estes talentos mudarem de área e se dedicarem a novelas baratas, jornalismo e etc. É incomparável com a realidade das carreiras para escritor em outros países.
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Ao analisar a frustração e decepção dos fãs de Game of Thrones com a série, percebi um comportamento interessante destas pessoas. Parece que não temos mais público, mas consumidores e muito exigentes.
Eles cobram a demora de George R R Martin em finalizar continuação de um de seus livros. Me lembrou a relação com um pedreiro ou assistente técnico, nada contra, mas pelo menos no meu tempo havia certa áurea sobre quem era um autor renomado.
Mas não é uma questão moral isto. A questão é bem simples. As pessoas naturalizam esta relação de clientela tanto pelo poder que estas relações possuem em nossa sociedade quanto pelo próprio mercado editorial que trabalha os livros como mercadorias ( produção, do que falar, como falar, o que vende e o que não vende, o que público dá conta de entender e o que não dá, etc.)