Perigosa mente (publicado originalmente em 23/11/2019)
Um sábado desses zapeava na TV pela manhã. Deparei-me com o filme espanhol 'Cría Cuervos' (1976), dirigido por Carlos Saura e vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes.
Os primeiros minutos prenderam-me pela mistura de suspense, terror, porque não?, ternura. E tudo isto emprestado para a personagem Ana (Ana Torrent, criança; e Geraldine Chaplin, adulta).
O filme começa com a morte do pai, Anselmo, mulherengo incorrigível. A menina observa-o agonizar, impávida, e depois vai à cozinha aos afazeres. A mãe morrera um pouco antes e assim Ana (9 anos) e as 2 irmãs, Irene (12) e Maitê (6), passam a ser tuteladas pela tia.
Ao lado da empregada Rosa e da avó paralítica e muda, Ana, agora na fase adulta, repassa essa infância cheia de dúvidas, medos, segredos, tristezas e ausências. A menina é o sentimento em dose cavalar, e ao piscar dos olhos pode tudo, inclusive manejar a vida e a morte dos parentes.
A mãe lhe aparece cotidianamente e aconselha-a, nina-a e orienta-a sobre assuntos dos mais diversos. 'Cría Cuervos' é uma história da infância à beira do abismo da perda, cuja travessura se mede por meio dos meigos sorrisos e olhares cálidos da protagonista mirim.
Tudo em meio à canção 'Porque te Vas', sucesso da década de 1970 na voz da cantora Jeanette. Saura destaca-se por conseguir extrair principalmente de Torrent (perfeita) a seiva da inocência com a habilidade em borrar o que lhe vem às mãos. A garota é esperta, turrona e leve, com sua mente perigosa.
O roteiro contribui bastante ao bom desenrolar da trama, principalmente quando tem Ana e as irmãs, por exemplo, na singela cena em que bailam no quarto ao som da música de Jeanette, na vitrola.
O diretor não se preocupa com o tempo e longas sequências, ponto que hoje falta para as produções. Aliás, que temporada horrível esta de 2019! O ano teve só 'Vingadores: Ultimato', 'Turma da Mônica', 'X-Men', 'Rei Leão' etc ... Uma lástima!
Sinceramente, não tenho a menor ideia de para onde o cinema caminha. Só sei que é um posto bem escuro, malcheiroso e esculhambado. Nesta parte, eu gostaria muito de poder voltar aos anos 30, 40 ou 50, tempo que não vivi. 'Cría Corvos': duração – 111 minutos; cotação – ótimo.