Um país que não me lembro (publicado originalmente em 26/10/2019)

A estrada argentina da década de 1980 pode ser resumida em 5 capítulos: o fim do regime militar após 7 anos (1983), a estreia do filme 'A História Oficial' (1985 – começou a ser rodado 2 anos antes), a sua 2ª taça da Copa do Mundo (1986, sob o maestro Diego Armando Maradona), a conquista do Oscar de Filme Estrangeiro (ainda em 86, com 'A História Oficial') e a posse de Carlos Menem (1989). Que 10 anos estes!

Por isso, escrevo hoje sobre o longa citado. O diretor Luis Puenzo estava com 38 anos quando redigiu o script sobre o drama de Alícia (Norma Aleandro), a quarentona professora de História que vive aparentemente feliz e tranquila com o marido Roberto (Héctor Alterio, de 'Cría Cuervos', tema deste espaço há 2 semanas) e a filha Gaby, de 5 anos (Anália Castro) na Argentina de 1984, recém-saída do governo dos militares, liderada pelo general Vidal.

Roberto tem ligações perigosas com o governo e quando Ana (Chunchuna Villafañe), a melhor amiga de Alícia, volta do exílio, as entranhas são colocadas para fora. Ana segreda à professora seus sofrimentos, torturas, enfim, os pesadelos. A partir daí a mãe de Gaby, por conta das manifestações das Mães da Praça de Maio, desconfia que a filha adotiva veio de pais assassinados pela ditadura, o que era comum: eram muitos desaparecidos no país.

A produção se preocupou em por tons de azul claro, branco (as cores da bandeira) e bege nos cenários, figurinos e à fotografia, o que dá à fita ares de serenidade escamoteada, pois a nação fingia estar em um manto pacato, mas com escombros e porões enlameados.

Inicialmente, Puenzo, temendo pela sua segurança, queria filmar em segredo, com as câmeras escondidas. Mas os militares caíram pouco antes de ele findar o roteiro. 'A História Oficial' foi feita 100% em Buenos Aires. A manifestação de mães de desaparecidos políticos que aparece na trama foi real e captada pelas lentes do cineasta.

A atriz Norma Aleandro foi exilada. Anália cantando 'Um País que não me Lembro' é qualquer coisa de maravilhoso. E nos serve como exemplo: a Argentina tem, sem dúvida, o melhor cinema da América do Sul, com os raros lampejos do Brasil, aqui e ali, que passam rápido. Duração: 112 minutos. Cotação: ótimo.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 29/10/2019
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