Nas entranhas (publicado originalmente em 16/3/2019)
Em julho passado comemorou-se o centenário do diretor Ingmar Bergman. Suas obras retalham como nenhuma outra as obscuridades de nossos pensamentos acerca da morte e a obsessão pela indiferença. 'Gritos e Sussurros' (1972) talvez seja o filme mais representativo do cineasta, onde tais assuntos estão alastrados de maneira doentia.
Mergulhar nas entranhas do ser humano e extrair delas a bile crua, da hora–eis a tarefa do sueco. Neste longa, que se passa no fim do século 19, vemos Agnes com seu câncer terminal, as dores instaladas em cada parte de seu corpo.
Ao lado, assistindo-a de forma calculista, as 2 irmãs – Maria e Karin. A empregada Anna, que tem na perda da filha o trauma insuperável, auxilia a dupla, mas ao contrário delas dá a Agnes todo o amor retido pela morte de sua criança. Liv Ullmann, a musa de Bergman, está na trama na pele de Maria.
A sensualidade contida, os olhos azuis provocantes e simultaneamente singelos, salpicam o enredo, de certa forma monstruoso. I. Bergman era exceção na arte de fuçar a mente e em 'Gritos e Sussurros' todos os ódios e paixões dos personagens saltam à vista a cada frase, a cada inspiração de dor e dó em relação à doença de Agnes.
Os tons de vermelho, branco e preto permeiam a tela, nos dão a dica certeira da proposta do diretor e roteirista: fazer-nos enxergar a finitude sem precedentes, à medida que a enferma berra de agonia e comiseração.
Os pensamentos e lembranças dos demais personagens, onde a traição e a aflição dão a força da indecência e a falsidade entre os parentes, fazem da fita um espetáculo de interpretações e reflexões.
Temas como mutilação e suicídio fazem parte dos escritos do cineasta, que narra o filme... Levou o Oscar de fotografia, além de ter sido indicado a outras 4 categorias: filme, diretor, roteiro original e figurino. Duração: 91 minutos. Cotação: excelente.