Ele e Ela (publicado originalmente em 6/10/2018)
Escrevo nestes primeiros dias de outubro sobre o documentário 'José e Pilar', de Miguel Mendes, por ocasião das comemorações dos 20 anos da entrega do Prêmio Nobel de Literatura a José Saramago (1922-2010), no dia 8 de outubro de 1998.
Entre 2006 e 2010, Mendes acompanhou viagens, pensamentos, amores e a rotina residencial do casal de escritores – a esposa do português, a jornalista Pilar del Rio, profunda e insistente feminista, abriu as portas da vida ao cineasta, conterrâneo do autor de 'Claraboia' e 'Caim'.
Insuperável ateu, Saramago tece loas à inexistência de Deus e Cristo durante um passeio de carro, e ao mesmo tempo, quase, Pilar arma outro evento para o marido participar. 'José e Pilar' capta de maneira certeira a determinante influência dela nos caminhos dele.
O escritor 'entregou' seus passos à esposa, e esta não economizou em fazê-lo desfrutar de tudo, até os limites prováveis. À época com 84 anos, J. S. já não era rapazote, e fica comprovado que Pilar, 28 anos mais nova, por determinadas vezes insistiu e impôs até a ele eventos com os quais J. S. discordava.
Numa sequência, Pilar diz: 'Sei que há gente que deseja ver José somente em casa, derretendo, como um velho, sem afazeres... Mas podem estar certos de que isto não acontecerá tão cedo.' Quando ele adoece e ela promete diminuir a agenda, cumpre só por certo período.
A carga volta depois. Cenas banais como J.S. jogando 'Paciência' no computador são o chamariz à citada rotina do filme. A presença de Pilar sempre é combatida pelo carisma do lusitano.
Mendes capturou tudo – desde conversas sobre eleição nos EUA até a pré-estreia de 'Ensaio Sobre a Cegueira', de Fernando Meirelles, onde o brasileiro por um fio não entra em pânico achando que J. S. espinafraria a fita, numa das cenas ao mesmo tempo mais hilárias e tocantes do documentário. Duração: 128 minutos. Cotação: ótimo.