As últimas conversas (publicado originalmente em 1/9/2018)
Eduardo Coutinho teve uma morte trágica. Começava a editar as filmagens que fez com adolescentes e crianças ao seu novo documentário.
Após o falecimento, João Moreira Salles e Jordana Berg, parceiros do cineasta, mergulharam na atividade. Finalizaram 'Últimas Conversas'(2015). A tarefa, difícil porque traumática, porém atrativa porque útil à memória de Coutinho, foi árdua além de tudo.
E o resultado é fascinante. Os entrevistados contam suas histórias de vida, falam de sonhos, futuro, abalos, tristezas e alegrias. EC sabia conversar. É impressionante como em poucos minutos de palavras trocadas deixa os personagens reais à vontade.
Abrem-se de maneira suave, gentil. O diretor de 'Edifício Master' (2002) e 'Cabra Marcado para Morrer' (1984) naquela altura tinha 81 anos, o contraste com os mais novos era um deleite. As câmeras captam a reciprocidade, a cumplicidade entre o plano. Coutinho deseja obter a resposta exata, a emoção confeccionada pelos instantes, os olhares perdidos de quem apenas começa a vida.
Dois depoimentos me tocaram. Rafaela - Amanda. A primeira, a estrada tortuosa e, mesmo assim a ternura nos olhos enche de lágrimas quem assiste. A mãe relapsa, mas 'que deu de tudo pra gente'. O padrasto 'que perdeu a oportunidade que tinha pra ser o pai que eu não tive'.
A outra, a derradeira do filme, é uma graça. 6 anos de idade e uma risada que faria sorrir até o mais frio ser humano. 'E quem é Deus?', indaga EC. 'Ué... Deus é o homem que morreu', diz, na lata, a menina. Percebemos Coutinho se derreter por ela. Quem não? A pureza filmada ali, crua, sem retoques.
'Últimas Conversas' tem ainda o ingrediente dos comentários dele a cada take. 'Falei que tínhamos que ter filmado só criança', reclama, depois de Amanda. Ela se bastava. Amanda - Rafaela. Foi um mestre esse Eduardo Coutinho. Duração: 88 minutos. Cotação: ótimo.