A burguesia (publicado originalmente em 11/8/2018)
'Antes de ir embora, gostaria de contar aos senhores o sonho que tive esta noite.' 'Olá. Sou o pároco do bairro e desejo colaborar nesta casa sendo o seu jardineiro.' 'Por favor, padre, me dê a extrema unção.' 'Você matou meus pais, mas farei isso por você, meu filho.'
Estes são algumas das frases e diálogos de 'O Discreto Charme da Burguesia' (1972), o antepenúltimo trabalho do diretor e roteirista Luis Buñuel no cinema.
A atração pelo bizarro com gosto de normalidade, dando a impressão ao espectador de que as amenidades são tolas e o nosso cotidiano nada mais é do que um zero a esquerda, faz desta fita um estouro verdadeiro de façanhas enxutas bem programadas para nos provocar. Buñuel
maquiaveliza, se detém em aspectos triviais de seis amigos que insistem em se reunir para jantar.
Mas o evento nunca dá certo por diversas razões. Ora é um velório no próprio restaurante, ora é a intervenção militar ali na mansão do anfitrião, ora são as traições e o tráfico de drogas, enfim. O surrealismo predomina e faz de 'O Discreto Charme da Burguesia', uma obra primorosa e única.
Não à toa, Luis Buñuel, que começara a sua trajetória 43 anos antes, em parceria com o pintor Salvador Dali no curta 'Um Cão Andaluz' (1929), levou o Oscar de filme estrangeiro na festa de 1973.
O diretor aplica em 'O Discreto Charme da Burguesia' a cobiça em suas musas, porém de maneira desencorajada, até mesmo na personagem da terrorista que não abre a boca.
Entre um sonho e outro, o sexteto 'passeia' rumo a lugar algum, em um espaço meio onírico, sem destino garantido. Dá a impressão de que tudo é frívolo, desimportante, raso. Sem dúvida, é a atração impecável aos cinéfilos de plantão. L. Buñuel foi grande artista, acima de tudo. Duração: 100 minutos. Cotação: ótimo.