O subúrbio da esperança (publicado originalmente em 16/6/2018)
Se teve um filme cheio de delicadeza, doçura e afetuosidade em 2017, e que vai fazer você chorar feito criança, é ‘Projeto Flórida’. Dirigido e roteirizado por Sean Baker, mostra o dia a dia de famílias que vivem locadas num hotel de baixa qualidade nos arredores da Disney World, em Orlando (estado da Flórida).
Uma destas é a de Halley (Bria Vinaite). Com a filha Moonee (a meiga Brooklynn Prince), a moça sobrevive de bicos e duma espécie de ‘bolsa família’ do governo. Halley tem pouco ou nenhum respeito pelas pessoas, e passa essa vida voluntariosa à filha, que é espevitada e está sempre rodeada de amigos, com os quais pratica pequenos delitos, digamos assim.
E embora a política do hotel seja a de não permitir alugueis de longa duração, Bobby (Willem Dafoe, indicado ao Oscar de coadjuvante), o gerente do local, costuma amparar e ajudar os inquilinos mais necessitados, como é Halley. Bobby sabe que a este pessoal não resta outra alternativa a não ser aquele lugar para morar. Auxilia a todos à sua maneira.
Moonee e os coleguinhas fazem as mais absurdas travessuras, até provocam incêndio em uma casa. É engraçado perceber como Baker joga com a dualidade de realidades na trama. De um lado, os pobres, o hotel bagunçado, mas mantido organizado por Bobby. Do outro, o planeta Disney, com famílias abastadas, felicidade plena e muita diversão.
‘Projeto Flórida’ explora de alguma forma a falência e a ruína da vida dos moradores do hotel de Bobby, e os destroços da existência dele, onde a rotina é consolar e confortar boa parte dos residentes. E o personagem de Dafoe tem um fraco pelas crianças. A bem da verdade, Brooklynn dá um autêntico show no papel da menina levada da breca e ao mesmo tempo dotada de grande tristeza interior.
O script espreme os atores ao seu máximo e as pessoas a quem dão vida são o retrato da crueza e da banalidade da vida, sintomas que o diretor sabe usar bem. Ele tem a estrela de conseguir extrair de sequências corriqueiras as atuações fantásticas.
E Baker tem um ingrediente fundamental a qualquer cineasta: ele não julga os seus personagens. A sua função, que é a que deve ser de qualquer diretor, roteirista, montador, é a de observar de longe, sem os maneirismos viciosos da maioria. ‘Projeto Flórida’ nos dá essa boa pitada. Duração: 111 minutos. Cotação: ótimo.