Casablanca – 75 Anos do Clássico do Cinema Mundial
As hélices do adeus despertam os olhos, em meio à neblina. O sacrifício pessoal, em prol de um objetivo maior, está consumado. A renúncia e a abnegação contribuem para a nobre causa da vitória sobre os nazistas. Casablanca parece nunca se esgotar como filme, com a melodia e a letra da música As Time Goes By de maneira indissociável e que provoca impacto. A fotografia em preto-e-branco permanece na memória, assim como os diálogos.
Casablanca nos lembra que o planeta está em constante movimento, como o globo que gira no início do filme. A ficção aborda o drama de refugiados que procuravam escapar da Europa dominada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Um mundo em crise de identidade e que passava por mudanças.
O Rick's Café Américain é o ponto de encontro de personagens emblemáticos: Rick Blaine (Humphrey Bogart) como dono do bar, Victor Laszlo (Paul Henried) representa o líder da resistência checa e Ilsa Lund (Ingrid Bergman) completa o triângulo amoroso. Além disso, Ugarte (Peter Lorre) que rouba as cartas de trânsito, o capitão Renault (Claude Rains), como chefe da polícia local, e o major Strasser (Conrad Veidt), como representante do Terceiro Reich, são personagens que influenciam a tomada de decisão do trio central da trama.
O filme é repleto de personagens ambíguos que escondem sentimentos e intenções, mas que revelam ambições e desejos nos momentos decisivos. Rick Blaine aparenta ser isolacionista (como os Estados Unidos), mas se torna intervencionista dada as circunstâncias da guerra. O capitão Renault aparenta ser colaboracionista (apoio ao governo de Vichy), mas acaba revelando-se aliado da França Livre. Ilsa Lund parece ser solteira para proteger o marido (a ideia é dele), mas no final do filme acaba tomando a consciência de ser a Senhora Laszlo (como preenchido na carta de trânsito).
Ilsa Lund aparece em posição triangular em várias cenas, no meio de Victor Laszlo e Rick Blaine, reforçando a ideia de triângulo amoroso na trama do filme. O caso de paixão e sacrifício envolve Rick Blaine e Ilsa Lund, após ele rejeitar Yvonne (Madeleine LeBeau) no início do filme e depois pagar tributo ao amor (casal búlgaro ajudado na roleta com o número 22, duas vezes seguidas, para fornecer dinheiro suficiente para os dois vistos de saída).
Victor Laszlo não consegue obter as cartas de trânsito em poder de Rick Blaine, após a prisão de Ugarte. Diante da situação extrema e sem outra opção, Victor Laszlo demonstra publicamente os motivos e as razões porque ele amava tanto a esposa como a causa que defendia. O duelo dos hinos é não apenas a resolução de um conflito externo de lutar por uma causa, como a resolução de um conflito interno de lutar pelo amor da esposa.
Ao longo do filme, a personagem Ilsa Lund aparece trajando quase uma dezena de figurinos, que é acompanhada ora por um lenço na cabeça, ora por um chapéu diferente, ora por um broche no vestido, ora por uma pequena bolsa ou um par de luvas nas mãos. Entretanto, apesar do filme ser em preto-e-branco, o vestido azul mencionado no primeiro diálogo, quando Rick Blaine e Ilsa Lund reencontram-se em Casablanca, possui uma conotação importante: um homem lembrar-se da roupa utilizada por uma mulher em Paris. Ilsa Lund afirma, neste diálogo, que só voltaria a usá-lo quando os alemães marchassem de lá. Ao estar com o vestido azul, na cena final, ela se mostra pronta no plano interior para ficar com Rick Blaine, enquanto no plano exterior mostra-se confiante na causa da Resistência. O chapéu inclinado era pièce de résistence durante a França Ocupada (1940-1944). O azul da roupa, cor do céu e do mar, demonstra paz de espírito, segurança, tranquilidade e harmonia. Algo que Rick Blaine e Victor Laszlo precisavam contemplar para seguir em frente na luta travavam, na certeza de que estariam do lado vencedor da guerra.
Há 75 anos, o filme Casablanca era apresentado em avant-première, em 26 de novembro de 1942, no Teatro Hollywood, em Nova York. Aproveitou-se assim a situação de que, no início daquele mesmo mês, havia ocorrido a libertação do Norte da África, o que incluía Casablanca, pelos Aliados. O filme entrou em cartaz, em Los Angeles, em 23 de janeiro de 1943. Por este motivo, Casablanca concorreu ao Oscar com os filmes de 1943. Na noite de 2 de março de 1944, Casablanca ganhou os prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado.
A peça de teatro Everybody Comes to Rick's, escrita por Murray Burnett, serviu de base para o roteiro do filme. Durante o verão europeu, em 1938, Murray Burnett, professor de inglês numa escola vocacional de Nova York, estava de férias com sua esposa Frances. O casal foi a Viena, após a anexação da Áustria pela Alemanha, para ajudar parentes judeus e, assim, eles começaram a ter contato com o drama dos refugiados. Na França, o casal esteve num nightclub chamado Café Américain, onde tocava e cantava um pianista negro, numa pequena cidade chamada Cap Ferrat, à beira do Mar Mediterrâneo, na Riviera Francesa. A partir de suas experiências, ele começou a escrever uma peça de teatro, nos Estados Unidos, durante o verão de 1940. Para terminar a peça, Murray Burnett contou com a colaboração de Joan Alison que colocou as cartas de trânsito no enredo. Em 12 de janeiro de 1942, a Warner Brothers comprou os direitos para uma adaptação para o cinema. As gravações do filme ocorreram entre os dias 25 de maio e 3 de agosto daquele mesmo ano. O filme foi rodado nos estúdios da Warner Brothers, com exceção da cena inicial do aeroporto que foi rodada no Aeroporto Van Nuys, em Los Angeles, e do clip mostrado com cenas reais de Paris que aparecem na cena do flashback.
Há claros elementos de Propaganda Anti-Nazista no filme. Por exemplo, a própria abertura do filme na voz de Lou Marcelle, que fez narração em duas dezenas de filmes na década de 1940, baseia-se na ideia de criar no espectador a verossimilhança com a realidade, como se fosse o cinejornal comum na época. Ao transportar a realidade para o campo da ficção, busca-se trabalhar os elementos necessários na formação de um quadro amplo que permita uma análise da realidade com base em personagens fictícios. Ao criar a identificação do espectador com a realidade, o filme permite a construção do consentimento ativo (plano das ideias) e de um posicionamento pró-ativo (plano da ação), atingindo-se assim o objetivo da Propaganda Anti-Nazista.
Provavelmente, o elemento de Propaganda Anti-Nazista mais oculto no filme seja o de ter o desejo de ver o coronel Strasser morto, desde o começo do filme, e esperar este acontecimento com grande expectativa na sequência final. Logo no início da película, há a imagem do avião com o prefixo D-AGDF aproximando-se para aterrisar no aeroporto. A frase Death to Acting Great Dictador Führer seria uma mensagem subliminar? O prefixo do avião D-AGDF parece um epitáfio para um caixão pousando na pista do aeroporto. Após o avião taxiar e parar, com a imagem congelada do filme, pode-se ver claramente uma pequena bandeira com a suástica nazista, ao lado da porta do avião, e outra bandeira bem maior no leme do avião. Além disso, quando o coronel Strasser desce do avião, há a saudação nazista ao seu ajudante de ordens, o capitão Heinze, bem abaixo das letras GDF que estão na asa do avião. Vale lembrar que, dois antes antes do filme Casablanca, havia sido produzido o magnífico filme The Great Dictador (1940) de Charles Chaplin. Portanto, as letras GD já estavam no imaginário coladas à figura de Hitler. O filme Casablanca acrescentou o F (de Führer) nesta cena e, assim, de maneira inconsciente, deseja-se a morte do nazista, que está atuando no lugar de Hitler, naquele lugar distante na ficcional Casablanca do filme.
Casablanca possui um gênero híbrido que é muito diferente dos outros filmes de sua época. Isto foi amplamente analisado por Umberto Eco no paper "Casablanca: Cult Movies and Intertextual Collage", apresentado no Simpósio de Semiótica, em 1984, em Toronto, no Canadá. A análise semiótica considera que o filme trabalha com arquétipos que frequentemente reaparecem em narrativas e desempenham uma vaga sensação de dèjá vu: situações em que se tem a impressão de já ter visto ou vivido.
Determinadas cenas também já foram amplamente analisadas: o significado da posição da Defesa Francesa no tabuleiro de xadrez, incluída por sugestão de Humphrey Bogart (para sua primeira cena com Peter Lorre), assim como o significado do número 22 na cena da roleta, com o croupier, no cassino.
O Acaso e a Obra-Prima
O Acaso desempenha papel importante tanto na produção do filme como dentro do filme de forma a construir uma Obra-Prima. Uma peça de teatro chamada Everybody Comes to Rick’s, que não consegue ser encenada, acaba chamando a atenção e é comprada e adaptada para roteiro de cinema. Diversos roteiristas trabalham no texto enfocando diferentes aspectos. Um elenco, nunca antes reunido de astros e coadjuvantes, tem atuação magistral numa impressionante sinergia. O contexto da época permite uma identificação com personagens e seus dramas pessoais. O filme representa o zeitgeist (espírito da época), pois o roteiro chega a Warner Brothers no calor do Ataque a Pearl Harbor. As filmagens iniciam-se no momento em que acontece o atentado da resistência checa em Praga, em maio de 1942. O filme estreia em janeiro de 1943 nos Estados Unidos, momento em que transcorre a Conferência de Casablanca.
O Acaso aparece também no filme como se pode ver no início, quando é determinado que os suspeitos de sempre fossem presos, mas um homem tenta fugir e morre baleado. No cassino do Rick’s Café Américain, um apostador anônimo consegue ganhar 20.000 francos também ao Acaso para surpresa de Emil, o Croupier. A grande virada do filme ocorre no momento em que Rick Blaine decide tomar os destinos nas próprias mãos e influenciar os acontecimentos ao escolher o número 22 na roleta. A partir dali, os personagens começam a tomar suas decisões e não ficam mais ao sabor do Acaso, sendo que isso fica bem representado pelo duelo dos hinos.
Naquele ano de 1942, Casablanca era apenas uma dentre as 50 produções da Warner Brothers. Nas sucessivas tentativas de se produzir um sucesso de público e para que este tenha êxito, às vezes é necessário contar com a sorte como com o Acaso. A produção do filme teve um último e feliz Acaso, quando Ingrid Bergman cortou o cabelo curto para interpretar Maria em Por Quem os Sinos Dobram (1943). Isso impediu que a música As Time Goes By fosse substituída por interesses comerciais de Max Steiner, pois ele desejava colocar uma canção de sua autoria. A interação da letra da música com o filme provoca um impacto tão grande que se tornam indissociáveis na lembrança do público e isso está muito além de Casablanca.
Referências:
Casablanca - Cult Movie
http://www.bookess.com/read/4896-casablanca-cult-movie/
Casablanca: o Clássico do Cinema e as Diversas Interpretações do Filme
http://www.bookess.com/read/26393-casablanca-o-classico-do-cinema-e-as-diversas-interpretacoes-do-filme/