Um debate atual? (publicado originalmente em 4/11/2017)
O filme ‘Corra!’ tem um enredo que pode soar singelo e inocente, mas se nos aprofundarmos, vamos ver além do horizonte. Rose (Allison Williams) e Chris (Daniel Kaluuya) namoram. Ela, branca e com os olhos claros; ele, negro. Num fim de semana, viajam ao interior, à casa dos pais dela. Chris vai ser apresentado à família.
Meio sem jeito, ele topa. ‘Sou o primeiro negro que você se relaciona’, diz ele. ‘Sim, mas por que tanto receio? Vai dar tudo certo’, Rose promete. Ao chegar, Chris, que é fotógrafo, percebe as ‘curiosidades’. Por exemplo: há somente empregados negros: Georgina (Betty Gabriel) é quem limpa a casa; Walter (Marcus Henderson) é o jardineiro. ‘Sei o que você deve pensar.
Mas não se engane com a gente: eu votaria no Obama a terceira vez, se pudesse, claro’, informa Dean (Bradley Whitford), pai de Rose, neurologista famoso. A mãe, Missy (Catherine Keener) é hipnóloga, e vai fazer a diferença na história. O que está por trás dessa cortina de pouca fumaça? Na verdade, há segredos bem longe de nossa vã imaginação.
Chris fica desconfiado, até descobrir tudo, e ficar (quase sem reação). Para piorar, tem um trauma em relação à mãe, difícil de carregar. No meio disso está Rod (LilRel Howery), amigo do fotógrafo, e conselheiro deste também. E em suas sacadas cômicas vive a realidade que ninguém quer crer, nem mesmo Chris? ‘Corra!’ é dirigido e escrito por Jordan Peele, ator, produtor e roteirista...
Aliás, é a estreia dele como diretor. Temas como racismo, subserviência e lavagem cerebral, no pior sentido que isso pode ter, povoam a fita. Peele consegue inserir o espectador dentro da trama de maneira surpreendente. E se nos primeiros minutos temos a sensação de estarmos diante de uma obra de terror, aos poucos nos damos conta de que nós estamos errados.
Essa era da chamada ‘pós-verdade’, com Trump e cia. limitada, alimenta o script e faz dele uma ventania em tempos de cismas graves. ‘Corra!’ não se encaixa em gênero algum. É certamente 1 dos grandes filmes de 2017. Tomara que seja finalista no Oscar-18. No fim das contas, sempre
leve em conta os absurdos que te disserem. Em alguns casos, é alguma lorota enorme. Duração: 104 minutos. Cotação: ótimo.