Obrigatório, não imprescindível (publicado originalmente em 16/9/2017)
Um ano atrás, o filme ‘Aquarius’ (2016), de Kleber Mendonça, estava envolvido na polêmica sobre os protestos feitos por seu elenco num festival de cinema. Protestos políticos, diga-se. À parte disso, de propósito, nem sequer comentei acerca da trama neste espaço, o que faço agora.
Trata-se de uma fita excelente, para começo de conversa. Sônia Braga, aos 65 anos, esbanja talento com a sua personagem que não arreda pé do apartamento, cujo prédio está às vias de ser demolido a dar lugar a mais outro empreendimento imobiliário moderno. ‘Aquarius’ não toca apenas neste assunto. Aliás, é belo pano de fundo, porque escondido aí está o tema da solidão e da velhice.
Clara (Sônia) passou naquele local a maior parte de sua vida. Aos 30 anos teve câncer de mama, aos 45 perdeu o marido e aos 65 tem de lidar com o chute no traseiro por parte da empresa de engenharia que já comprou todos os apês, e só o dela falta. No fundo, Clara, mãe de três filhos que mal a compreendem, é carente e indecisa.
Não é tão bem resolvida como o longa-metragem aspira envernizá-la. Nos duelos que tem com o chefe novo dos engenheiros, Diego (Humberto Carrão), com formação nos EUA e o diabo a quatro, fica evidente a fragilidade da personagem enquanto mulher. E na medida que o tempo passa é por teimosia, e não por tradição, que Clara não quer se desfazer de seu apartamento – mesmo com a oferta de 2 milhões de Reais por ele.
Kleber Mendonça (diretor de ‘Um Som ao Redor’, 2012) aborda de forma razoável, por exemplo, a segurança de Clara quanto à sua sexualidade. Num encontro, ela é humilhada quando revela ao parceiro ter se submetido a uma cirurgia (há a sequência, noutro ponto do filme, em que ela tira o maiô e não vemos o seu seio direito).
Outro dia, chama um rapaz a satisfazê-la e é voyeur numa orgia promovida no apartamento vizinho ao seu (a empresa arma situações como essa para ver se há a chance de Clara desistir e se mandar dali). ‘Aquarius’ é obrigatório, mas não imprescindível. Vale a pena assisti-lo pela presença sempre forte de Sônia Braga, artista que ano que vem completará meio século de carreira, desde o início, aos 18, como uma das vítimas do ‘Bandido da Luz Vermelha’ (1968).