Dois péssimos filmes cristãos
Tudo bem, filmes cristãos são produzidos para propagar e defender sua fé, mas é bom que todos os que os produzem saibam que, quem quer assistir a um filme também quer ver uma boa história, que seja convincente e com bons argumentos e alguns filmes cristãos acabam apenas enaltecendo a sua fé de toda forma, usando argumentos até ridículos de tão simplistas e superficiais, de maneira que chegam a desagradar gente do próprio credo. Dois bons exemplos de péssimos filmes desse segmento são Desafiando gigantes, protagonizado e dirigido por Alexander Kendrick, e Deus (não) está morto, com o ex-Hércules Kevin Sorbo.
O primeiro conta a história de um técnico de um time de futebol americano que há seis anos só tem experimentado fracassos, está em dificuldades financeiras e ainda é estéril que, após começar a ler a Bíblia, orar e obrigar os jogadores a glorificar a Cristo, passa por uma reviravolta em sua vida. Até os jogadores mudam, começando a se converter e, a partir daí, o time começa a ter vitórias. Qual a mensagem do filme? Converta-se e tudo começará a dar certo na sua vida? Pelo que sabemos, a nossa vida não se torna mais fácil por aceitarmos Jesus. Outra falha grosseira:quem fez o filme esqueceu que o fato de alguém crer ou não em Deus não influi na sua performance atlética. Podemos constatar isso ao ver o brilhante ginasta japonês Uchimura, que falou não acreditar em Deus, mas em treinamento. O que dizer? Fé em Deus é uma coisa, outra coisa é treinar duro e se comprometer com o time, e um atleta não precisa ser cristão para levar o time a sério e ter compromissos com os treinos. Ele pode ser muçulmano, judeu, budista ou ateu. De verdade, um jogador desse time que seguisse outro credo acabaria por se sentir chateado e desmotivado.
Além disso, um técnico que há seis anos só perde e não consegue motivar os jogadores a se comprometer com os treinos nem respeitar o trabalho de equipe, que são a base de um time sólido, é alguém notoriamente incompetente. Mesmo que ele se esforce e seja bem-intencionado, se for incompetente, só levará o time a perder. No caso do filme, ele se tornou um líder competente e inspirador após resolver que faria tudo em nome de Cristo? Pode-se falar, tentando defender o filme, que Cristo despertou nele o dom da liderança, porém, na vida real, podemos ver grandes líderes de qualquer religião ou que não seguem nenhuma.Assim, terminamos de assistir ao filme com a impressão que, tornando-se cristão, você só irá vencer, ainda que seu adversário seja mais competente e tenha treinado duro.
O outro filme cristão de argumento duvidoso, o Deus (não) está morto, gira em torno dos conflitos entre um aluno cristão, calouro do curso de Direito e um professor ateu interpretado por Kevin Sorbo. O tal professor, logo no primeiro dia de aula, quer que todos os alunos escrevam Deus está morto, mas o calouro cristão convicto recusa-se a fazê-lo, e aí vemos o nascimento de um conflito: o cristão tentando provar a existência de Deus, e o ateu ferrenho reafirmando sua descrença. Há outras histórias paralelas, porém o foco é o embate entre o cristão e o ateu, onde o último persegue ferozmente o primeiro com a clara intenção de prejudicá-lo, numa postura bem antiética e antiprofissional. E tal postura soa inverossímil. Por que um professor de filosofia quer impor sua descrença aos alunos assim? Como filósofo, ele deveria respeitar a liberdade de pensamento e crença das pessoas. Poderia até dizer que é ateu, mas sua descrença em Deus não deveria influir no seu trabalho.
Enfim, o filme acaba cometendo o grande pecado de vilanizar os ateus, agnósticos e seguidores de outras religiões não-cristãs, transformando uma questão complexa como o debate da existência de Deus num joguinho maniqueísta onde os ateus são o grupo do mal e os cristãos, o do bem. No entanto, sabemos que ninguém é mau só por ser ateu ou agnóstico e nem todo ateu é um radical arrogante que se acha intelectualmente superior, como mostrado no filme. Tentar transpor para as telas debates sobre se Deus existe exige cuidado e inteligência para não errarmos a mão.
Se queremos escrever um livro ou fazer um filme, ainda que defendendo a nossa fé, precisamos ser cuidadosos para não acabar contando histórias tolas que, além de parecer contos de fada moralizadores, ainda podem ser grosseiras e ofensivas a quem acredita em uma religião ou filosofia diversa da nossa.