Paixão e imodéstia (publicado originalmente em 26/8/2017)
‘A Paixão Segundo Martins’ é o nome do documentário dirigido pela cineasta Irene Langemann. Fita de 2004, foi comentada neste espaço há mais de uma década, em 2006. Na época, a fama e a história do pianista João Carlos Martins rodava o globo e o seu sofrimento com os acidentes, o assalto e tudo o mais de nefasto que ocorreu para prejudicar os movimentos das mãos dele estava em jornais, TV e revista.
Até uma polêmica financeira envolvendo J. Martins e a campanha de Paulo Maluf em 1992 à prefeitura de São Paulo. Pois bem. Ano passado, o diretor Mauro Lima (‘Meu Nome não é Johnny’ – 2008, e ‘Tim Maia’ – 2014) foi incumbido de comandar o longa-metragem baseado na biografia de João. O primeiro nome sugerido foi exatamente o de ‘Martins’ Passion’, o homônimo do trabalho de Langemann.
Depois de percebida a cópia, a alteração se fez e ‘João, o Maestro’ foi rodado. Estreou na semana passada e, para não ser prolixo, quase todas as passagens marcantes do músico estão na tela, menos o escândalo malufista de 1992. Quatro atores dão vida a João: Davi Campolongo (criança), João Pedro Germano (adolescente), Rodrigo Pandolfo (jovem) e Alexandre Nero (adulto).
A família de bom gosto musical, a precocidade do garoto João se apresentando desde a tenra idade, romances e casamentos desfeitos por culpa de uma obsessão desvairada dele em relação ao piano, tudo está ali, em sua devida posição. Mas se João se tornou maestro quando notou que seus braços e mãos já não correspondiam aos desejos dele, o próprio pianista não regeu a sua vida.
Autopromoveu-se à esmo, e no longa-metragem Mauro Lima tentou como pode alcançar esta falsa modéstia no roteiro. Quando a gente pensa no retumbante talento do músico, nossos olhos são tapados à celebração da carreira dele e suas travessas aventuras. Em ‘João, o Maestro’, à parte as belas interpretações de Nero e Pandolfo, e a direção de arte que se esforça a agradar ao público com recriações de época, o que temos é cenas e mais cenas de emoção comprada, e não
dada de mão beijada...
Nem a sequência derradeira, onde se vê o verdadeiro João Carlos Martins ao piano, nos toca de modo profundo. O filme vale, assim, mais para registro histórico. Só rezo para que a comissão do Ministério da Cultura que tem a incumbência de apontar a produção nacional para tentar concorrer ao Oscar de Filme em Língua Estrangeira em 2018 não escolha esta película. Se sim, será outra vergonha a nos torrar a paciência. O resultado sai dia 15 de setembro. A ver.