Pés e cabeças (publicado originalmente em 22/7/2017)
'O Lagosta’ (2015) passou meio despercebido pela festa do Oscar 2017. Esteve entre os 5 melhores da categoria Roteiro Original. E é bem a calhar a sua colocação nesta opção de prêmio, pois trata-se sim de
uma fita sacada da lâmpada ideal. Adjetivo-a de esquisita, no mínimo. O roteiro mostra um futuro próximo, onde existe a lei que proíbe as pessoas de ficarem solteiras.
Qualquer pessoa sem o seu par é imediatamente presa e enviada ao Hotel, lugar onde terá apenas 45 dias para achar um parceiro ou parceira. Caso não encontre, essa gente é transformada num animal de
sua preferência e solta bem no meio da floresta. E é neste contexto que um homem se apaixona em plena floresta.
O problema é que isso também não pode ocorrer. O sistema não deixa. Entendeu direitinho? ‘O Lagosta’ tem como protagonista o ator Colin Farrell, ladeado pela bela Rachel Weisz. A direção é de Yorgos Lanthimos, e o roteiro também. Dotado de forte humor negro, altas ironias e cenas bizarras, que não vemos todos os dias por aí, ‘O Lagosta’ prende a atenção exatamente por causa desse lado torto e desastrado, onde os atores fazem de tudo para parecerem modestos seres vivos à caça de companheiros (as).
Mas por trás desta singela atividade está um sombrio mundo frio e destoante de tudo. Quando David (Farrell) opta por se transformar numa lagosta caso fracasse na busca por sua amada, a jogada moral explica-se de maneira cruel: ele deseja um desaparecimento ágil. O longa-metragem se sustenta pela fase da artificialidade dos relacionamentos. As pessoas são obrigadas a ter a ‘cara-
metade’, gostando ou não. É lei e ponto final.
Naquele ambiente, tudo soa falso, ou medroso, por assim dizer. Farrell e Weisz se dão bem na trama e Lanthimos sabe o que tem nas mãos. Seu comando é preciso e não descamba pra bagunça, ainda que a trama peça isto de forma legítima, raspando no ‘sem pé nem cabeça’.
Ao invés da desordem generalizada, o que temos é uma fita bem resolvida em seu fim, andando sem apoios na corda bamba da realização perfeita, que agrade o público. ‘O Lagosta’ foi lançado em Cannes há dois anos e agitou os espectadores. Fez barulho. Tem suas qualidades e pode logo se tornar cult. Vamos ver se o tempo contribui para sua fama repentina.