Cinza e forte (publicado originalmente em 22/4/2017)
Casey Affleck, irmão de Ben, levou o Oscar de melhor ator neste ano por um filme denso deste o seu primeiro minuto. ‘Manchester à Beira Mar’ (2016) passou em branco pelos cinemas do Vale e aborda um tema difícil aos sets: a perda e o silêncio. E para levar na bandeja assunto deste naipe, o diretor e roteirista precisam ser eficazes.
Kenneth Lonergan, o diretor e roteirista da fita, escreveu o script de ‘Gangues de Nova Iorque’ (2002). Dica boa. Mas não basta. Na história onde desconsolo e cisma são peças fundamentais na engrenagem, o elenco tem de afiado, calibrado, polido. Por sorte, ocorre isto e mais um pouco.
Casey é Lee. É zelador numa cidadezinha pacata, como ele. Lee é ensimesmado. Não por acaso, tenta pouco esconder a depressão. Num dia, recebe a notícia da morte de seu irmão mais velho, Joe. O evento o faz retornar à terra natal, Manchester, donde ‘fugiu’ após um feio baque. Isto é só o começo, já que Joe deixa ‘de herança’ a Lee o filho Patrick – o típico adolescente, com a banda e namoradas. Patrick é cheio de vida e planos, antípoda do tio sombrio.
Nesta parceria forçada, estes traumas de Lee são passados a limpo. Ele é quieto, monossilábico. Mas explosivo. Seu pavio quase é inexistente. Lonergan enxergou além do lugar-comum e entregou ao público a obra sutil e sóbria. Em ‘Manchester à Beira Mar’, mesmo com a fotografia esplêndida, a sensação passada é a de que tudo ali é cinza, num tom pastel sem graça, porém bem forte.
A relação que o cineasta nos propõe é: perdoar ou acatar, duelar ou engolir, responder ou se controlar? As questões se avolumam com o passar dos minutos e Casey e os demais atores – Lucas Hedges (Patrick, indicado a coadjuvante no Oscar), Kyle Chandler (Joe) e principalmente Michelle Williams (Randi, ex-esposa de Lee – ela também esteve no Oscar, indicada a coadjuvante) – dominam as cenas de forma avassaladora.
Destaquei Michelle, pois é impressionante como esta moça faz bem tudo. Possui talento a dar e vender e foi finalista do Oscar com o seu papel sendo rapidíssimo – ela aparece parcos minutos –, mas repleta de intensidade. Ter dado a estatueta a Casey se mostrou justo, ainda que os demais companheiros de chapa fossem tão bons ou até melhores. ‘Manchester à Beira Mar’ é o retrato 3x4 de uma sociedade doente e estúpida.